Proibido dar palmada nas crianças: agora querem intervir no cotidiano da casa

Pensando nas coisas que acontecem no dia a dia de uma família nos deparamos com a recente Lei da Palmada (Projeto de Lei 7672/10) aprovada em Comissão Especial da Câmara em 14 de dezembro do ano passado. Polêmica na certa, essa lei afetará o cotidiano da casa. Fica uma questão: como analisá-la à luz da Sociologia? Pensei logo de cara na Sociologia da Vida Cotidiana, tão difundida pelo filósofo marxista e sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991). Comentarei, então, essa lei e assim retomarei, nesse desabrochar de 2012, minha contribuição periódica ao site “Vivendocidade”.

Esse ramo da Sociologia trata da possibilidade de investigação e analisa o discurso a respeito do cotidiano visto como uma manifestação do real e da realidade da vida. Tal possibilidade é vista por ela de diversos ângulos e as relações de família estão, com certeza, englobadas neles. Nessas relações tem um papel central o poder dos pais em intervir na educação dos filhos pequenos, usando vários métodos, entre eles a palmada. Desde antanho ela é empregada no sentido corretivo, mais contemporaneamente vem perdendo espaço para uma educação mais liberal, que procura privilegiar o diálogo na repreensão dos deslizes da criança. A novidade é que agora o legislador resolveu agir, embalado por uma ação do Poder Executivo. E, mais uma vez, para criar uma lei que, como tantas, não vai ser respeitada e nem adotada na prática. Além do mais surge uma questão importante: como fiscalizar? Pensemos…

Essa lei prevê punições aos pais que baterem em seus filhos, proíbe e estabelece sanções para castigos físicos aplicados por eles contra as crianças. Ela estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante. Sujeita os pais infratores a penas socioeducativas que vão até ao afastamento dos filhos e especifica que as crianças e os adolescentes devem ser protegidos do castigo físico, em que haja o uso da força e resulte em sofrimento e lesão para eles. Ela quer substituir a popular palmada educativa pelo elogiado diálogo entre pais e filhos.

Se aprovada em plenário neste ano ela obrigará os pais a aprenderem a educar os filhos sem violência. Esse projeto proibirá qualquer castigo físico contra crianças e adolescentes e o seu texto com certeza alterará o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90), que atualmente não deixa claro quais são as restrições quanto aos maus tratos realizados pelos pais.

Visto no prisma teórico de Lefebvre a educação e os processos pedagógicos só aceitam críticas pedagógicas feitas a posteriori. Ele evidencia que “os métodos e a matéria ensinada” reduzem o aluno à passividade, habituando-o a trabalhar sem prazer, destacando os métodos, os locais e a arrumação do espaço. Afirma que “o espaço pedagógico é repressivo, mas esta “estrutura” tem um significado mais vasto do que a repressão local: o saber imposto, “engolido” pelos alunos e “vomitado” nos exames, corresponde à divisão do trabalho na sociedade burguesa, serve-lhe, portanto, de suporte”. Esta análise “da forma e da transmissão passa ao largo de um problema central, o conteúdo do saber e do seu lugar na divisão do trabalho”. Partindo da teoria produzida por Lefebvre, seria necessário verificar como se produzem e re-produzem as relações sociais no processo educativo. No cotidiano da casa não é diferente. Vamos aguardar…

Nesses tempos em que vivemos não podemos esquecer da importância que mídias de massa, como a televisão, e eletrônicas, como a internet, passaram a ter nesse processo e de como podem atuar na mudança do comportamento da população. Com isso tudo espera-se educar os pais para que se conscientizem na hora em que forem agredir os filhos e passem a buscar de um diálogo sempre possível e até mais pedagógico.

No meu entender, para educar as crianças continua sendo necessário algum tipo de punição ao filho infrator. Essa tarefa não pode ficar somente nas mãos da escola. A decisão de reprimir deve ser dos pais. É claro que existem excessos e estes devem ser controlados. Quanto à violência empregada nesse ato, onde entra a tal da palmada corretiva, cabe à consciência de cada pai ou mãe decidir como agir e ao bom senso no seu uso. Agora no tocante à ação do legislador ao tentar controlar esse ato tão doméstico e familiar resta-nos questionar tanto a sua eficácia quanto o poder de controle e de fiscalização por parte do Estado. Imagino que será mais uma medida, como tantas, ineficaz. Promulgar uma lei para vigiar e punir os pais (mexa-se Michel Foucault!) em seu suposto ímpeto de violência e agressão contra as crianças será a melhor solução?

Colaboração de Carlos Correa Filho.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (10/01/2012)

Marinaldo Santos: Ela com CD

Marinaldo Santos nasceu em Belém do Pará, em 1961. Artista plástico e admirador da vida. É também pintor e desenhista autodidata. Em 1987 começou a realizar exposições individuais e coletivas, participando de mostras em todo o país e no exterior (Alemanha, Estados Unidos, Holanda, França). Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Grande Prêmio do Salão de Artes do Pará.

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Foto de Sérgio Guerini

Digressões sobre o pensamento marxista

Vez ou outra me perguntam sobre política, onde a teoria marxista ocupa uma posição central. Dúvidas sobre esse assunto são muito comuns. E sempre surgem questionamentos, confusões e mitos. Com o objetivo de esclarecer o leitor sobre essa forma de pensamento refletirei um pouco sobre ela analisando a sua teoria mais geral. Uma coisa é certa: o marxismo nunca perderá a sua atualidade, por mais que se fale mal do socialismo real. Na faculdade pude compreender que este pensamento – dito clássico – surgiu num contexto histórico de uma dupla revolução (Revolução Industrial e Revolução Francesa), sendo a “modernidade” a forma mais geral resultante desta. Assim seguimos contribuindo com o site “Vivendocidade”.

Na concepção marxista de sociedade não há uma separação rígida entre natureza e sociedade e sim uma relação dialética entre ambas. Entre os princípios da dialética, como método de pensar, incluem-se alguns conceitos como: “Nada existe separadamente”; “Tudo está em permanente processo de transformação” e que “O motor da mudança é a luta de contrários”.

O pensamento marxista tem como fontes principais na sua construção a dialética de Hegel, o materialismo de Feuerback, o socialismo utópico desenvolvido na França (Proudhon, Saint-Simon, Fourier) e na Inglaterra (Owen) e a economia política clássica (Adam Smith e David Ricardo) e vulgar (John Stuart Mill, Benthan, Sismon).

A obra escrita em conjunto por Marx e Engels e intitulada “A Ideologia Alemã” foi um marco no pensamento marxista. Nela são definidas os princípios básicos da dialética materialista e é feita uma crítica a Feuerback, que limitou sua crítica a Hegel (“dialética idealista”) ao aspecto religioso, não a estendendo à economia, política e sociedade, como a concepção inicial desse autor (baseado na concepção do Estado). Dos socialistas utópicos, os marxistas extraem o conceito de luta de classes (“motor” da transformação). Neste livro são elaborados dois outros conceitos-chave na obra marxista. O conceito de trabalho, pensado em termos da economia política, e o conceito de alienação, inspirado em Hegel e Feuerback.

O ponto de partida da análise de classes no marxismo foi a famosa passagem do “Manifesto Comunista” na qual Marx e Engels declaram que “a história de toda a sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes”, mais a obra central de Marx é o livro “O Capital”, um tratado acerca da dominação sob o modo de produção capitalista e vários conceitos importantes surgem na sua leitura.

Pensando em termos dos conflitos vê-se que nessa concepção a análise de classes é uma análise da luta de classes, ou seja, é um modo de análise que procede da crença segundo a qual a luta de classes constitui o fato crucial da vida social desde o passado remoto até o presente.

Nessa visão os protagonistas da luta de classes são, de um lado, os proprietários dos meios de produção e, de outro, os produtores e esses contrários estão engalfinhados num conflito que é eminente, “estruturalmente” determinado e implícito em sua respectiva localização no processo de produção. Os proprietários (burgueses) são inelutavelmente levados a tentar extrair a quantidade máxima de mais-valia que é possível extrair dos produtores (proletariado) nas condições históricas dadas, enquanto os produtores são similarmente levados a tentar minimizar essa quantidade e a produzir sob as condições menos onerosas possíveis.

A relação entre proprietários e produtores é uma relação de exploração que num sentido técnico denota a apropriação da mais-valia e a alocação do produto excedente por pessoas sobre as quais os produtores têm pouco ou nenhum controle. A exploração não é um desenvolvimento peculiar do capitalismo e a questão da apropriação e da alocação da mais-valia é muito mais complicado do que essa formulação sugere.

A análise de classes está preocupada basicamente com um processo de dominação e de subordinação de classes, o que constitui uma condição essencial do processo de exploração e sempre foi o principal objetivo da dominação. Para Marx, a exploração é de crucial importância, mas é a dominação que a torna possível. Marx visava criar uma “sociedade verdadeiramente humana”, onde seriam abolidas as relações de dominação e coerção.

Uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de dominação: os meios de produção, onde o controle pode envolver a propriedade desses meios; os meios de administração e coerção do Estado; e os principais meios para estabelecer a comunicação e o consenso. (estrutura de dominação).

Nessa análise a importância da propriedade é fundamental na vida da sociedade capitalista. Ela é a principal fonte de poder administrativo nas empresas capitalistas de médio e pequeno porte, mas ela não é pré-requisito essencial para o controle das principais fontes de poder na sociedade capitalista, ou seja, o poder corporativo e o poder do Estado.

O próprio Estado é um extrator maior da mais-valia, tanto como empregador quanto como coletor de impostos. Ele é capaz de envolver-se no processo de extração em virtude de seu controle do poder estatal, sem ter nada a ver com a propriedade pessoal que intervém nesse processo.

Os elementos comerciais e profissionais da classe dominante compõem a burguesia das sociedades capitalistas avançadas da atualidade. Essa burguesia se distingue da elite do poder em virtude de não ter nada que possa ser chamado de seu poder. No entanto, ela faz parte da classe dominante porque seus membros exercem um grande poder em termos econômicos, sociais, políticos e culturais, não apenas na sociedade em geral, mas também em várias partes do Estado.

A classe dominante, como todas as outras, está longe de ser homogênea e divergências e choques muito pronunciados ocorrem constantemente entre diferentes segmentos dessa elite. Ela permanece suficientemente coesa para assegurar que seus objetivos comuns sejam eficazmente defendidos.

A outra seria a classe subordinada da sociedade capitalista e que compreende uma vasta maioria de sua população e cuja maior parte se compõe dos trabalhadores e seus dependentes. Ela é uma classe extremamente variada, diversa, dividida com base na ocupação, habilidade, gênero, raça, etnicidade, religião, ideologia, entre outras.

Essas divisões são de grande importância política e têm um peso muito grande na história das sociedades capitalistas, sem falar nos movimentos trabalhistas. A classe operária como um todo tem aumentado com o passar dos anos.

A classe trabalhadora compõe-se atualmente de operários e de funcionários de escritório e seus dependentes e de uma variedade de homens e mulheres dedicadas a ocupações voltadas para os serviços e distribuição.

Entre os conflitos temos as lutas que assumem uma multiplicidade de formas e expressões, mas pode-se situá-los em duas categorias gerais. De um lado, a classe dominante (classe conservadora) que procura defender, manter e fortalecer a ordem social, e o faz em nome do interesse nacional, da liberdade, da democracia ou de que quer que seja. Do outro lado, a classe subordinada, ou pelo menos a minoria ativista dentro dela, que está envolvida num processo permanente de pressão de baixo para cima. Pode ser exercida ou para modificar ou melhorar as condições nas quais a subordinação é vivenciada ou para erradicar por completo a subordinação. A primeira preocupa-se, sobretudo com as melhorias e reformas dentro da estrutura do capitalismo, e não procura ir além dessa estrutura. Já a segunda procura ultrapassar essa mesma estrutura, sendo portando revolucionária.

É a oposição e as lutas geradas por esses objetivos contraditórios descritos acima que constituem o fato crucial da vida social.

É importante destacar as maneira pelas quais as classes dominantes procuram usar o sistema político para seus próprios fins. A mais importante dessas instituições é o Estado, visto que ele desempenha um papel único e indispensável na defesa e no fortalecimento da ordem social e nenhuma outra instituição é capaz de intervir com a mesma eficácia na vida social. Isso ocorre por mais “não-intervencionista” que ele possa querer ser na vida econômica. Mesmo assim ele desempenha um papel crucial no âmbito dos conflitos e poderes na experiência social, nem que seja para atenuar os custos sociais da empresa capitalista.

O Estado é importante também porque ele é responsável pela previdência social e pelos serviços coletivos que servem também para assegurar a manutenção e a reprodução de uma força de trabalho eficiente e atenuam as queixas das pressões vindas de cima. Ele está profundamente envolvido na decisiva propaganda e na doutrinação e está encarregado do imenso aparato de coerção e repressão que está sendo operado na sociedade de classes. O Estado procura desempenhar um papel importante na manutenção da ordem social baseada na dominação e na exploração de classe.

A análise de classes está também preocupada com a crucial e incessante luta empreendida de cima para baixo com o objetivo de impor aos produtores as disciplinas que tornam possível a extração da mais-valia, processo que ocorre no ponto de produção e no local de trabalho, mas que depende também de toda uma série de condições sociais e políticas.

Quanto à pressão de baixo para cima, Marx acreditava que a classe trabalhadora deve inevitavelmente adotar as lutas pela modificação e melhoria das condições em que a subordinação e a exploração são vivenciadas e a luta pela abolição total da subordinação, onde Marx destaca a última.

Nessas lutas tem-se que destacar a influência da democracia capitalista sobre os movimentos trabalhistas. A democracia capitalista revelou-se um sistema extraordinariamente flexível, resistente e com poder de absorção, e desempenhou um papel fundamental na contenção e neutralização da pressão de baixo para cima.

Pensando em termos das linhas constitutivas de uma “teoria sociológica” marxista, temos outro marco: a situação da classe trabalhadora da Inglaterra, escrita por Engels. Este é um livro clássico pela abrangência com que a pesquisa empírica se articula com a matriz teórica; onde o enquadramento teórico orienta a seleção e análise factual e como esta, dialeticamente tratada, incide na correção daquele (enquadramento teórico). Ele descreve com detalhes toda a exploração da mão-de-obra inglesa, inclusive a de crianças, e as péssimas condições de trabalho e as longas jornadas de trabalho.

Resgato hoje esse tema com o intuito de mostrar como esse pensamento ainda é atual, pois analisa o capitalismo em sua essência, e de como ele é interessante para se estudar e para se aprofundar.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (07/12/2011)

Livros de Edna Matosinho de Pontes e parcerias

Arte Popular
O livro “Arte Popular” – vol. 2 foi lançado pela Galeria Pontes em parceria com a Editora Décor. Trata-se de um livro bilíngue que apresenta as obras e as biografias dos principais artistas populares brasileiros. Muito bem editado, com fotos de alta qualidade e composto 99% com obras do acervo de nossa galeria. Introdução de Olívio Tavares de Araújo.
Preço: R$ 250,00

Eu me ensinei – Narrativas da criatividade popular brasileira
Em “Eu me ensinei”, os artistas são todos autodidatas, mestres de um saber primoroso e intuitivo. A mais pura arte popular brasileira. Escrito com base em mais de cem entrevistas com artistas populares feitas ao longo de anos.
Preço: R$ 300,00

A xilogravura popular: Xilógrafos e poetas de cordel (Feito em parceria com Fabio Magalhães)
“A Xilogravura Popular – Xilógrafos e Poetas de Cordel”, reúne um expressivo conjunto de xilogravuras criadas por artistas populares ligados ao Cordel. A profusão temática reunida na exposição realizada no Museu Nacional da República, em Brasília (novembro de 2018 – fevereiro de 2019) e aqui reproduzida, revela a extraordinária riqueza do imaginário popular do sertão nordestino. Há, também, obras de artistas plásticos que, embora não façam parte da denominada arte popular, produziram xilogravuras com linguagens de ‘parentesco’ com o Cordel. A maioria das gravuras expostas, apesar de retratar histórias criadas por poetas populares e apresentar personagens e alegorias vinculados aos folhetos de Cordel, foi feita para ser apreciada como obra de arte autônoma e não mais como ilustração dos folhetos.
Preço: R$ 150,00

Catálogo da Exposição “Entreolhares: Poéticas d’alma brasileira (Feito em parceria com Fabio Magalhães)
Com base na mostra “Entreolhares: Poéticas d’alma brasileira” a Galeria Pontes imprimiu esse catálogo. A exposição aconteceu de 18 de junho a 7 de agosto de 2016 no Museu Afro Brasil – Parque Ibirapuera – Portão 10 – São Paulo/ SP. Essa exposição foi voltada para a arte do povo brasileiro, e abarca um longo período, desde as décadas de 1940 e 1950 até a contemporaneidade. Procurou reunir um conjunto abrangente e diversificado da expressão autoral de criatividade popular, das carrancas do mestre Guarany e das cerâmicas do mestre Vitalino aos grandes mestres atuais, muitos deles ainda ativos nas diversas regiões do Brasil. Foram incluídos alguns artistas modernos e contemporâneos apenas para sinalizar e sublinhar poéticas que se nutrem do imaginário popular: Di Cavalcanti, Tarsila, Cícero Dias, Guignard, Volpi, Rubem Valentim, Cláudio Tozzi, Rubens Gerchman, Nelson Leirner, entre outros.
Preço: R$ 110,0

Esses livros podem ser adquiridos através da Galeria Pontes (galeria@galeriapontes.com.br, Fone: 11 3129-4218 ou WhatsApp: 11 9 9781-4370) ou, os três últimos livros, através do site da Livraria Martins Fontes (https://bit.ly/2xaAxek)

O Surgimento da sociologia nos Estados Unidos e a formação da Escola de Chicago

Para avançar a ciência social praticada no Brasil temos que entender como a sociologia evoluiu no mundo e nada melhor do que estabelecer um olhar no caminho adotado pelos americanos nesse campo. E lá acompanhar a contribuição fundamental da Escola de Chicago – afinal ela se tornou uma referência. A sociologia nos Estados Unidos surgiu com um caráter duplo, ou seja, como uma ciência prática voltada para a ação e para as reformas sociais e como uma ciência sistemática voltada para a explicação da realidade social global através de categorias gerais. Abordando esse assunto continuo minha contribuição ao site “Vivendocidade”.

A sociologia americana teve um início precoce, mais isolado. Em 1754 já era dada a primeira instrução sobre “Fins e Usos da Sociedade” no Colégio de Filadélfia e, 40 anos depois, em 1794, houve um curso de “Humanidades” no Colégio de Colúmbia, cujo catálogo se pareceu bastante com os das classes elementares de sociologia adotados um século mais tarde.

Nos EUA as ciências sociais avançaram bastante nas últimas décadas do século XIX até chegar ao apogeu na Escola de Sociologia de Chicago (1915-1940). O Departamento de Sociologia de Chicago começou a se projetar no início da década de 1910 e rapidamente tornou-se o seu principal centro de estudos e de investigação sociológica.

Na história da sociologia americana destacam-se seis “pais fundadores” que são: Willian Graham Sumner, Lester Frank Ward, Franklin Henry Giddings, Charles Horton Cooley, Edward Allworth Ross e Albion Woodbury Small.

Pode-se dividir o desenvolvimento da sociologia americana em cinco grandes fases: surgimento (introdução dos cursos de sociologia durante as duas últimas décadas do século XIX); difusão (entre 1900 e 1920, marcada pela criação da Sociedade Sociológica Americana); consolidação (entre 1920 e 1935, com a criação de linhas originais de pesquisa, ampliação do ensino e multiplicação de revistas especializadas); funcionalismo secundado pelo interacionismo simbólico e, finalmente, diversidade (marcado pelo movimento da “sociologia crítica” da década de 60, caracterizada por uma grande diversidade de orientações teórico-metodológicas).

O primeiro americano a organizar um material sociológico foi Robert Hamilton Bishop (1777-1855) ao dar, de 1834 a 1836, um curso na Universidade de Miami chamado “A Filosofia das Relações Sociais”.

Utilizando o termo híbrido “Ciência Social”, destaca-se a obra precursora de Henry Charles Carey (1793-1879) intitulada “The Principles of Social Science” (Os Princípios da Ciência Social), publicada em 1858-60 e influenciada pelo protecionista alemão Friedrich List. Dessa obra originou-se a “American Social Science Association” (Associação Americana da Ciência Social), que se organizou para promover um ponto de vista mais ou menos “sintético” da vida social e que tinha também uma forte tendência de reforma social.

O primeiro fundador foi William Graham Sumner (1840-1910) que foi influenciado pelas idéias de Herbert Spencer e que desenvolveu importante trabalho na Universidade de Yale, combinando o evolucionismo de Darwin, o “laissez-faire” e o pessimismo malthusiano com o ardor puritano, já que foi educado originalmente para o sacerdócio.

No outro extremo e influenciado diretamente pelo filósofo francês Auguste Comte temos Lester Frank Ward (1841-1913). Este pensador, quase autodidata, produziu até então o mais imponente e vasto sistema de sociologia de sua época, caracterizado por possuir um corpo de conhecimento científico-natural sem equivalentes até então nos Estados Unidos.

Em Colúmbia aparece o sociólogo Franklin Henry Giddings (1855-1931) por sua vasta erudição e por ter exercido grande influência tanto no estudo da sociologia como no espírito de seus alunos, que ocuparam com destaque a maioria dos lugares sociológicos do Leste americano. A sua influência mais importante na sociologia americana veio do seu primitivo interesse pela demografia e pelo uso da estatística.

Outro nome de destaque foi Charles Horton Cooley (1864-1929) que foi ligado à Universidade de Michigan e que centrou suas preocupações nos aspectos psíquicos da vida social, contribuindo muito para a psicossociologia em língua inglesa. Sua obra mostra que o eu e a sociedade são apenas dois aspectos da mesma coisa, na medida em que os seus são produtos sociais e a sociedade é o resultado de sua inter-relação orgânica e contínua.

Finalmente, temos a obra de Edward Alsworth Ross (1866-1951), que teve um importante papel no desenvolvimento da sociologia na Universidade de Wisconsin. Ele orientou muitos alunos que difundiram suas doutrinas e destacou-se inicialmente no campo da psicossociologia e, mais tarde, na análise e classificação dos processos sociais e nos problemas das transformações sociais e das relações internacionais.

A Universidade de Chicago foi fundada em 1890 e admitiu seus primeiros alunos em 1892, com o apoio dos Batistas e da filantropia capitalista, com destaque para o magnata do petróleo e dono da Standard Oil John Davison Rockefeller (1839-1937).

Albion Woodbury Small (1854-1926) foi o primeiro diretor do Departamento de Sociologia dessa Universidade e essa seção foi a primeira a ser fundada como unidade independente em todo o mundo.

A assim chamada Escola de Sociologia de Chicago teve um predomínio durante toda a terceira fase da sociologia americana, entre 1920 e 1935 (consolidação). Ela destaca-se pelas teorizações originais, pelas técnicas de pesquisa empíricas e pelos temas de investigação que introduzem. Oferecia ensino de graduação e de pós-graduação associado à pesquisa de alto padrão e numa perspectiva de prestação de serviços à comunidade.

Essa Escola marca uma virada no impacto que a investigação sociológica teve sobre a sociedade, estabelecendo claramente uma tradição intelectual na sociologia. Ela caracteriza-se por propor uma sociologia urbana, caracterizada por uma abordagem empírica que se propunha a estudar a sociedade em seu conjunto. Seus temas principais foram os problemas que enfrentava a cidade de Chicago e também o problema político e social da imigração e da assimilação dos imigrantes à sociedade americana. Deram destaque aos estudos sobre a criminalidade e a delinqüência.

Marcada inicialmente pela sociologia qualitativa, seus sociólogos fizeram importantes contribuições, desenvolvendo métodos originais de investigação, como a utilização científica de documentos pessoais (autobiografias, correspondência particular, diários e relatos), o trabalho de campo sistemático (a observação, a entrevista, o testemunho) e a exploração de diversas fontes documentais. Em Chicago, a sociologia quantitativa (entre 1930 e 1940) e que foi desenvolvida em paralelo à qualitativa veio a suplantá-la a partir da Segunda Guerra Mundial.

Além dos estudos da sociologia da estrutura urbana, de ecologia humana, das relações sociais, da psicologia social e da cultura urbanas, os temas de suas principais pesquisas giravam em torno dos grupos imigrantes na América, como os poloneses, os japoneses, checos, italianos, suecos, alemães, judeus e chineses; da dimensão da vida dos negros, incluindo a escravidão; da imprensa; da família e de aspetos desta, como juventude, formação da personalidade, desorganização familiar, mobilidade feminina, controle da natalidade, divórcio, padrões demográficos; das relações raciais, dos preconceitos, consciência de raça e assuntos teológicos. Entre seus temas encontram-se também as investigações sobre os movimentos sociais, as revoluções, os desvios e a marginalidade, o juizado de menores, os sistemas de castigo, as áreas de vício, o suicídio, a insanidade, as seitas proibidas e religiosas, o comportamento de massas e multidões, a opinião pública, a mídia, as expressões coletivas e a mudança cultural, os fatores econômicos e as instituições, como a companhia de trens de Chicago, a circulação de dinheiro no mercado, as greves; além de estudos específicos sobre algumas comunidades.

Entre os muitos sociólogos importantes na trajetória acadêmica da Escola de Sociologia de Chicago destacam-se Albion Woodbury Small, William Isaac Thomas, George Edgar Vincent, Robert Ezra Park e Ernest Watson Burgess.

Pode-se dizer que foi a partir dos anos 1920 e início dos 1930 que se deu origem ao desenvolvimento de um método de pesquisa nesta Escola. Nos primeiros tempos os estudiosos estavam simplesmente inventando métodos de pesquisa, pois isso era uma coisa que não existia. Depois os pesquisadores criaram métodos para si próprios, coletando autobiografias de camponeses, analisando as cartas desses atores sociais ou fazendo entrevistas. Até esse momento, os estudos das relações entre indivíduos e seu meio ambiente permaneciam abstratos. Foi a partir da incorporação de novas fontes primárias de pesquisa, como as cartas pessoais, as autobiografias, as histórias de vida, as monografias de bairros, entre outras, que se inova no conhecimento direto da realidade humana e social.

Essa escola deixou para trás a sociologia especulativa da época anterior a sua, sendo o berço de uma grande variedade de abordagens empíricas, inclusive a da observação participativa, que tem em comum o fato de se inserir em uma sociologia urbana prática e de ter inaugurado a indagação sociológica direta junto aos indivíduos.

Fica, então, esse registro histórico– e que sirva de referência para o desenvolvimento da sociologia no Brasil.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (24/11/2011)

Contemporary Art Brazil / Arte Contemporânea Brasil

O interesse pela cena de arte contemporânea do Brasil está crescendo, tanto no próprio país quanto internacionalmente. No entanto, poucas publicações abordaram esse aspecto fascinante da cultura brasileira. Dirigida tanto a novatos quanto a um público mais experiente, a Arte Contemporânea Brasil (edições tanto em inglês como em português) reúne 120 das figuras mais influentes atualmente ativas no campo das belas artes no Brasil, incluindo artistas, galeristas, chefes de instituições, pensadores críticos e colecionadores.

Publicado em 2012
Editor: Hossein Amirsadeghi, com a participação da minha sobrinha Maria do Carmo Matosinho Peres de Pontes

Os clássicos da religião e o nosso tempo

O tema religião sempre encantou a humanidade. Mesmo com a evolução dos tempos ele continua cada vez mais presente, bastando para tanto observar a quantidade de canais de televisão e de rádio que falam desse assunto e pregam a palavra de Deus. E as redes sociais não ficam para trás. Na internet esse tema é também bastante abordado. Por que não debatê-lo? E para tanto nada melhor do que analisar o que os autores clássicos da sociologia pensam disso. E com isso abro minha contribuição ao site “Vivendocidade”.

Mostrarei sinteticamente o que autores como o francês Émile Durkheim, o alemão Max Weber, o francês Pierre Bourdieu, o austríaco Peter L. Berger e o brasileiro Antônio Flávio Pierucci pensam sobre religião.

Em sua importante obra “As Formas Elementares de Vida Religiosa” Émile Durkheim faz a identificação do social ao sagrado visando desenvolver uma análise da religião mais simples para determinar as formas elementares da vida religiosa.

Na sua visão os indivíduos buscam afetivamente na religião a sensação de sair de si, pela imersão no coletivo, através do prazeroso contato com algo que é mais importante do que eles próprios, individualmente. Esta experiência transcendental reaviva a possibilidade da vida em conjunto, em uma esfera em que todos são iguais, comungam de uma mesma comunidade moral e compartilham a grande satisfação de que a vida social é possível.

Para Durkheim, os fenômenos religiosos ordenam-se em duas categorias fundamentais: as crenças (estados da opinião e que consistem em representações) e os ritos (modos de ação determinados). Para ele todas as crenças religiosas conhecidas apresentam um mesmo caráter comum, ou seja, supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos e heterogêneos que seriam o profano e o sagrado, que sempre foram concebidos como dois mundos entre os quais não há nada em comum.

Nessa obra Durkheim desenvolve uma teoria sociológica do fenômeno religioso elaborada a partir da análise de sua forma supostamente mais simples, o totemismo australiano. A essência de todas as religiões não está no conteúdo de suas crenças, mas na dualidade entre profano e sagrado, sendo este último conceito igualmente derivado da sociedade.

Seu objetivo é elaborar uma teoria geral da religião, com base na análise das instituições religiosa mais simples e mais primitiva e seu método define o fenômeno, refuta as teorias diferentes das suas e demonstra a natureza essencialmente social da religião.

No texto “Sociologia da religião (Tipos de relações comunitárias religiosas)” Max Weber discorre sobre o fenômeno denominado autonomização da esfera religiosa.

Uma importante contribuição de Weber está no desenvolvimento dos conceitos de estamentos, classes e religião, destacando entre outros pontos o condicionamento da religiosidade de salvação pela classe e pelo estamento.

Ele enfoca a questão da salvação e do renascimento, seguida dos caminhos de salvação e sua influência sobre a condução da vida. Em sua análise ele discute sobre a religiosidade mágica e o ritualismo e também sobre as conseqüências da religiosidade de devoção ritualista. Faz também uma sistematização e racionalização do método de salvação e da condução da vida.

Diferentemente da visão tradicional de Durkheim que tinha os olhos voltados para o passado, Weber tem um olhar mais adiante do seu tempo, em busca do desenvolvimento da modernidade. Talvez seja por esse motivo que a sua obra mostra-se tão atual, sendo cada vez mais estudada.

Em sua obra clássica “A ética protestante e o espírito do capitalismo” Weber mostra que nos países de confissão protestante ocorre um maior desenvolvimento capitalista e também uma maior proporção de protestantes entre os proprietários de capital, empresários e integrantes das camadas superiores de mão-de-obra qualificada.

Para ele tanto a moralidade quanto à necessidade de compreensão do mundo nascem como movimentos endógenos à racionalização religiosa. Daí que Weber, ao procurar as raízes da especificidade da cultura ocidental, acabou dando uma especial atenção ao estudo comparativo das grandes religiões mundiais.

O terceiro autor analisado é Pierre Bourdieu, cujo texto “Gênese e estrutura do campo religioso” aborda quatro grandes pontos: 1) os progressos da divisão do trabalho religioso e o processo de moralização e de sistematização das práticas e crenças religiosas, 2) o interesse propriamente religioso, 3) função própria e funcionamento do campo religioso e 4) poder político e poder religioso.

Neste estudo ele investiga a noção de campo religioso e mostra que foi o corpo de especialistas o grupo religioso que dentro da Igreja obteve o monopólio do exercício legítimo do poder religioso, ou seja, o monopólio da propriedade dos meios de produção e distribuição dos bens de salvação. Seu princípio fundamental é que não há salvação fora da Igreja.

Ele mostra também que toda Igreja foi inicialmente uma seita profética, sendo a continuação desta primeira comunidade, e é a sua organização, em vista da permanência ou, em termos weberianos, a cotidianização ou a rotinização do carisma, que coloca as bases da própria Igreja. Ao mesmo tempo, a Igreja é um produto da institucionalização e apresenta as características de uma burocracia que, representa uma delimitação explícita dos domínios de competência e hierarquização regulamentada das funções, com a reacionalização correlativa das remunerações, das “nomeações”, das “promoções” e das “carreiras”, codificação das regras regendo a atividade profissional e a vida extraprofissional, racionalização dos instrumentos de trabalho, tais como o dogma e a liturgia e da formação profissional.

Destacam-se três conceitos fundamentais no pensamento de Bourdieu para compreensão do fenômeno religioso: o trabalho religioso e sua divisão, o campo religioso e a relação entre especialistas e consumidores de bens religiosos.

No “O dossel sagrado – Elementos para uma teoria sociológica da religião” Peter L. Berger discute a noção de mercado religioso.

Para ele toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo e a religião ocupa nisso um lugar destacado. Ele explica que seu principal intuito é formular alguns enunciados sobre a relação entre a religião humana e a construção humana do mundo.

No fundo Berger divide sua abordagem em duas situações distintas. Na primeira analisa o caso de um dossel único, em que havia a situação de um monopólio religioso, historicamente representado pela cristandade católica. A segunda situação que descreve é a que apresenta vários dosséis, sendo cada um dotado de uma cobertura muito mais restrita. Neste caso, mostra a existência de um pluralismo religioso e do que chama de mercado religioso, onde não se tem mais uma clientela cativa.

Finalmente abordarei a contribuição nesse campo do estudo desenvolvido por Antônio Flávio Pierucci no livro “O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber”. Para ele o desencantamento do mundo, na medida em que vem definido tecnicamente como desmagificação da atitude ou mentalidade religiosa, é um resultado e produto da profecia, e é também fator explicativo do desenvolvimento sui generis do racionalismo ocidental, ao mesmo tempo em que é, ele mesmo, um processo histórico de desenvolvimento.

Nesta obra Pierucci está empenhado em mostrar como a aparente proliferação de significados do termo “desencantamento” esconde um conceito construído com rigor e dotado de sentido bem definido e que nela despontam duas teses: de que o termo vai muito mais fundo do que a vaga noção alusiva a alguma perda ou mal-estar subjetivo, onde estamos diante de um conceito que faz parte de uma teoria maior e que foi construído para ajudar a explicar o mundo, não para lamentá-lo; e de que o conceito não se encontra inteiriço em todos os pontos e em todos os momentos da obra de Weber.

À luz desses cinco autores concluo que é a eterna busca da salvação que move este grandioso interesse pela religião e torna esse tema tão atual e debatido.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (03/10/2011)