Os clássicos da religião e o nosso tempo

O tema religião sempre encantou a humanidade. Mesmo com a evolução dos tempos ele continua cada vez mais presente, bastando para tanto observar a quantidade de canais de televisão e de rádio que falam desse assunto e pregam a palavra de Deus. E as redes sociais não ficam para trás. Na internet esse tema é também bastante abordado. Por que não debatê-lo? E para tanto nada melhor do que analisar o que os autores clássicos da sociologia pensam disso. E com isso abro minha contribuição ao site “Vivendocidade”.

Mostrarei sinteticamente o que autores como o francês Émile Durkheim, o alemão Max Weber, o francês Pierre Bourdieu, o austríaco Peter L. Berger e o brasileiro Antônio Flávio Pierucci pensam sobre religião.

Em sua importante obra “As Formas Elementares de Vida Religiosa” Émile Durkheim faz a identificação do social ao sagrado visando desenvolver uma análise da religião mais simples para determinar as formas elementares da vida religiosa.

Na sua visão os indivíduos buscam afetivamente na religião a sensação de sair de si, pela imersão no coletivo, através do prazeroso contato com algo que é mais importante do que eles próprios, individualmente. Esta experiência transcendental reaviva a possibilidade da vida em conjunto, em uma esfera em que todos são iguais, comungam de uma mesma comunidade moral e compartilham a grande satisfação de que a vida social é possível.

Para Durkheim, os fenômenos religiosos ordenam-se em duas categorias fundamentais: as crenças (estados da opinião e que consistem em representações) e os ritos (modos de ação determinados). Para ele todas as crenças religiosas conhecidas apresentam um mesmo caráter comum, ou seja, supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos e heterogêneos que seriam o profano e o sagrado, que sempre foram concebidos como dois mundos entre os quais não há nada em comum.

Nessa obra Durkheim desenvolve uma teoria sociológica do fenômeno religioso elaborada a partir da análise de sua forma supostamente mais simples, o totemismo australiano. A essência de todas as religiões não está no conteúdo de suas crenças, mas na dualidade entre profano e sagrado, sendo este último conceito igualmente derivado da sociedade.

Seu objetivo é elaborar uma teoria geral da religião, com base na análise das instituições religiosa mais simples e mais primitiva e seu método define o fenômeno, refuta as teorias diferentes das suas e demonstra a natureza essencialmente social da religião.

No texto “Sociologia da religião (Tipos de relações comunitárias religiosas)” Max Weber discorre sobre o fenômeno denominado autonomização da esfera religiosa.

Uma importante contribuição de Weber está no desenvolvimento dos conceitos de estamentos, classes e religião, destacando entre outros pontos o condicionamento da religiosidade de salvação pela classe e pelo estamento.

Ele enfoca a questão da salvação e do renascimento, seguida dos caminhos de salvação e sua influência sobre a condução da vida. Em sua análise ele discute sobre a religiosidade mágica e o ritualismo e também sobre as conseqüências da religiosidade de devoção ritualista. Faz também uma sistematização e racionalização do método de salvação e da condução da vida.

Diferentemente da visão tradicional de Durkheim que tinha os olhos voltados para o passado, Weber tem um olhar mais adiante do seu tempo, em busca do desenvolvimento da modernidade. Talvez seja por esse motivo que a sua obra mostra-se tão atual, sendo cada vez mais estudada.

Em sua obra clássica “A ética protestante e o espírito do capitalismo” Weber mostra que nos países de confissão protestante ocorre um maior desenvolvimento capitalista e também uma maior proporção de protestantes entre os proprietários de capital, empresários e integrantes das camadas superiores de mão-de-obra qualificada.

Para ele tanto a moralidade quanto à necessidade de compreensão do mundo nascem como movimentos endógenos à racionalização religiosa. Daí que Weber, ao procurar as raízes da especificidade da cultura ocidental, acabou dando uma especial atenção ao estudo comparativo das grandes religiões mundiais.

O terceiro autor analisado é Pierre Bourdieu, cujo texto “Gênese e estrutura do campo religioso” aborda quatro grandes pontos: 1) os progressos da divisão do trabalho religioso e o processo de moralização e de sistematização das práticas e crenças religiosas, 2) o interesse propriamente religioso, 3) função própria e funcionamento do campo religioso e 4) poder político e poder religioso.

Neste estudo ele investiga a noção de campo religioso e mostra que foi o corpo de especialistas o grupo religioso que dentro da Igreja obteve o monopólio do exercício legítimo do poder religioso, ou seja, o monopólio da propriedade dos meios de produção e distribuição dos bens de salvação. Seu princípio fundamental é que não há salvação fora da Igreja.

Ele mostra também que toda Igreja foi inicialmente uma seita profética, sendo a continuação desta primeira comunidade, e é a sua organização, em vista da permanência ou, em termos weberianos, a cotidianização ou a rotinização do carisma, que coloca as bases da própria Igreja. Ao mesmo tempo, a Igreja é um produto da institucionalização e apresenta as características de uma burocracia que, representa uma delimitação explícita dos domínios de competência e hierarquização regulamentada das funções, com a reacionalização correlativa das remunerações, das “nomeações”, das “promoções” e das “carreiras”, codificação das regras regendo a atividade profissional e a vida extraprofissional, racionalização dos instrumentos de trabalho, tais como o dogma e a liturgia e da formação profissional.

Destacam-se três conceitos fundamentais no pensamento de Bourdieu para compreensão do fenômeno religioso: o trabalho religioso e sua divisão, o campo religioso e a relação entre especialistas e consumidores de bens religiosos.

No “O dossel sagrado – Elementos para uma teoria sociológica da religião” Peter L. Berger discute a noção de mercado religioso.

Para ele toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo e a religião ocupa nisso um lugar destacado. Ele explica que seu principal intuito é formular alguns enunciados sobre a relação entre a religião humana e a construção humana do mundo.

No fundo Berger divide sua abordagem em duas situações distintas. Na primeira analisa o caso de um dossel único, em que havia a situação de um monopólio religioso, historicamente representado pela cristandade católica. A segunda situação que descreve é a que apresenta vários dosséis, sendo cada um dotado de uma cobertura muito mais restrita. Neste caso, mostra a existência de um pluralismo religioso e do que chama de mercado religioso, onde não se tem mais uma clientela cativa.

Finalmente abordarei a contribuição nesse campo do estudo desenvolvido por Antônio Flávio Pierucci no livro “O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber”. Para ele o desencantamento do mundo, na medida em que vem definido tecnicamente como desmagificação da atitude ou mentalidade religiosa, é um resultado e produto da profecia, e é também fator explicativo do desenvolvimento sui generis do racionalismo ocidental, ao mesmo tempo em que é, ele mesmo, um processo histórico de desenvolvimento.

Nesta obra Pierucci está empenhado em mostrar como a aparente proliferação de significados do termo “desencantamento” esconde um conceito construído com rigor e dotado de sentido bem definido e que nela despontam duas teses: de que o termo vai muito mais fundo do que a vaga noção alusiva a alguma perda ou mal-estar subjetivo, onde estamos diante de um conceito que faz parte de uma teoria maior e que foi construído para ajudar a explicar o mundo, não para lamentá-lo; e de que o conceito não se encontra inteiriço em todos os pontos e em todos os momentos da obra de Weber.

À luz desses cinco autores concluo que é a eterna busca da salvação que move este grandioso interesse pela religião e torna esse tema tão atual e debatido.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (03/10/2011)

Autor: ematosinho

Eduardo Matosinho é economista e sociólogo com bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem 60 anos e é casado com Luiza Maria da Silva Matosinho e com ela tem um filho de nome João Alexandre da Silva Matosinho. Trabalha atualmente na Galeria Pontes (https://www.galeriapontes.com.br/), onde já está há 17 anos.

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