Destaque

A exposição AR, com Jaime Prades

AR (23°33’57″S 46°40’34″W) [Respirar] condição essencial para a vida da quase totalidade dos seres do Planeta – da Mãe Terra, da Pacha Mama, de Gaia – sejam vertebrados, invertebrados, anfíbios, répteis, insetos, microrganismos… Estamos emulsionados em uma substância de gases, a atmosfera. Essa bela palavra que aglutina Atmos (vapor) e Sphaira (esfera) revela-nos a definição precisa do seu significado. O ar que inspiramos e expiramos, que entra e sai dos nossos corpos num vai-e-vem constante e nos preenche por instantes, evidencia o quanto é tênue o fio entre ser e pertencer. Refletir sobre essa obviedade tem a virtude de nos lembrar que a troca e o compartilhar condicionam o acontecimento da vida, de que vivemos encapsulados numa substância gasosa que nos coloca em iguais condições diante de todos os seres vivos, humanos e não humanos. [Inspirar] o ar comum que respiramos inspira a exposição coletiva AR, que propõe transformar o espaço da galeria em ateliê coletivo de parte dos artistas do seu time. Durante a primeira metade dos 40 dias de projeto, algumas das obras da exposição serão produzidas total ou parcialmente no próprio espaço expositivo em que serão apresentadas nos 20 dias seguintes. Muitas são as práticas das artes plásticas que se entrelaçam na proposta da exposição AR: ateliê coletivo, ateliê aberto, laboratório, ocupação, ‘work in progress’, ‘workshop’, ‘site specific’, oficina, performance… Repleta de significados e ressignificações, ela foi concebida por Andrea Rehder para iniciar a programação de 2025 da sua galeria, após as celebrações dos seus 15 anos de atividade no circuito das artes plásticas brasileiras. A galeria, ao abrir o seu espaço para jovens artistas com o projeto Rizoma e com a inauguração da exposição AR, se soma às tentativas de ressignificação dos espaços de arte que buscam reinventar-se como é o caso de museus, bienais, feiras e inclusive coleções. É urgente ativar territórios de arte que promovam o diálogo, a reflexão, a educação, o fortalecimento das humanidades e de uma cultura solidária, como antídoto à dominante virtualização e robotização das relações humanas. [Expirar] seria ingenuidade negar a influência das plataformas digitais e da relação de dependência que elas impõem ao conjunto da sociedade. Nesse contexto, traçar estratégias de produção de conteúdos de qualidade para as redes é uma das metas do projeto da exposição. A ocupação da galeria implica num deslocamento simbólico – ao inverter os papéis dos espaços galeria e ateliê – e cria um emaranhado de relações onde artista e obra se confundem. Considerando que a prática artística acontece em geral nos ateliês, o ambiente de partilha promovido na galeria permitirá aos visitantes a rara oportunidade de vivenciar uma certa intimidade com os artistas e os seus processos de trabalho enquanto a função da galeria entra em um território difuso, transitório e ampliado. Para os artistas, a Galeria é um dos espaços imaculados desejados para verem as suas obras nas condições ideais. E, se na cena da arte contemporânea não é raro acontecer de algumas galerias investirem na radicalidade das obras dos seus artistas, no caso desta exposição é preciso destacar que a radicalidade conceitual do projeto nasce da própria galerista. [Suspirar] O encontro implica no deslocamento dos artistas até a galeria que, ao agrega-los, torna-se um ponto gravitacional, um núcleo de respiração, um corpo comum. Esse corpo/nave está posicionado num lugar exato planetário: 23°33’57″S 46°40’34″W, ou, Avenida Brasil, 2.079, Jardim América, São Paulo/SP, Brasil – galeria Andrea Rehder de Arte Contemporânea. A adesão dos artistas ao projeto sustenta-se na qualidade da nossa convivência na galeria. É nesse terreno afetivo que a exposição AR pode brotar naturalmente. Ao contrário de Odisseu partiremos para essa aventura sabendo exatamente onde estamos. Munidos de sextante, dos muitos mapas disponíveis, nos orientaremos pela constelação do Cruzeiro do Sul inspirados pelo canto de Gilberto Gil, …pela simples razão de que tudo merece consideração e, corajosamente, respiraremos os mesmos ares desses mares as vezes calmos, outras vezes revoltos, da capacidade humana das linguagens e da sua expressão mais íntegra: a Arte!

Jaime Prades – 1º de janeiro de 2025

A exposição AR está sendo produzida na própria galeria Andrea Rehder de Arte Contemporânea . Os processos dos artistas, além da documentação que estão produzindo, podem ser acompanhados ao vivo por aqueles que quiserem visitar esse espaço. Estão abertos todos os dias da semana entre 12 e 17h. A galeria fica na Avenida Brasil, 2.079, São Paulo.

@andrearehder.galeria
@antoniopulquerio.arte
@bettinavg
@fernandofvsoares
@katiacanton.artepsicanalise
@lluciano_macedo
@rodrigopedrosaarte
@sheila_ortega

#ateliê #exposição #atelieaberto #workinprogress #sitespecific #performance #ocupação #arte #assemblage #pintura #ceramica #escultura #colagem #artecontemporanea

Exposição indicada para o blog por Gejo, O Maldito, que afirmou via WhatsApp: “Bom dia Edu. Segue essa expo do Jaime. Vlww”. Hoje, 09/03, Gejo acrescenta: “Boa tarde Edu. Foram 5 semanas de ocupação, ateliê, work in progress, na galeria Andrea Rehder de Arte Contemporânea. No próximo sábado, dia 15/03, será a exposição dos trabalhos feitos durante o projeto. Imperdível! Venham!” Conclui que “Só que eu não estou participando. Só mesmo divulgando, blz.”

Dos “Eu sou trezentos”, 25 poetas brasileiros fundamentais

Ontem terminei de publicar nesse blog poemas desses 25 incríveis poetas pátrios e, segundo Carolina Marcello, que é mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, e ligada ao site “Cultura Genial”, são os seguintes:

  1. Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) / http://ematosinho.com.br/?s=Carlos+Drummond+de+Andrade
  2. Cora Coralina (1889 – 1985) / http://ematosinho.com.br/?s=Cora+Coralina
  3. Vinicius de Moraes (1913 – 1980) / http://ematosinho.com.br/?s=Vinicius+de+Moraes
  4. Adélia Prado (1935) / http://ematosinho.com.br/?s=Ad%C3%A9lia+Prado
  5. João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999) / http://ematosinho.com.br/?s=Jo%C3%A3o+Cabral+de+Melo+Neto
  6. Cecília Meireles (1901 – 1964) / http://ematosinho.com.br/?s=Cec%C3%ADlia+Meireles
  7. Manoel de Barros (1916 – 2014) / http://ematosinho.com.br/?s=Manoel+de+Barros
  8. Manuel Bandeira (1886 – 1968) / http://ematosinho.com.br/?s=Manuel+Bandeira
  9. Hilda Hilst (1930 – 2004) / http://ematosinho.com.br/?s=Hilda+Hilst
  10. Machado de Assis (1839 –1908) / http://ematosinho.com.br/?s=Machado+de+Assis
  11. Ferreira Gullar (1930 – 2016) / http://ematosinho.com.br/?s=Ferreira+Gullar
  12. Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977) / http://ematosinho.com.br/?s=Carolina+Maria+de+Jesus
  13. Mario Quintana (1906 –1994) / https://ematosinho.com.br/?s=Mario+Quintana
  14. Ana Cristina Cesar (1952 – 1983) / https://ematosinho.com.br/?s=Ana+Cristina+Cesar
  15. Paulo Leminski (1944 – 1989) / https://ematosinho.com.br/?s=Paulo+Leminski
  16. Alice Ruiz (1946) / https://ematosinho.com.br/?s=Alice+Ruiz
  17. Gonçalves Dias (1823 – 1864) / https://ematosinho.com.br/?s=Gon%C3%A7alves+Dias
  18. Castro Alves (1847 – 1871) / https://ematosinho.com.br/?s=Castro+Alves
  19. Patrícia Galvão, conhecida como Pagu (1910 – 1962) / https://ematosinho.com.br/?s=Pagu
  20. Augusto dos Anjos (1884 – 1914) / https://ematosinho.com.br/?s=Augusto+dos+Anjos
  21. Gregório de Matos (1636 – 1696) / https://ematosinho.com.br/?s=Greg%C3%B3rio+de+Matos
  22. Gilka Machado (1893 – 1980) / https://ematosinho.com.br/?s=Gilka+Machado
  23. Olavo Bilac (1865 – 1918) / https://ematosinho.com.br/?s=Olavo+Bilac
  24. Ariano Suassuna (1927 – 2014) / https://ematosinho.com.br/?s=Ariano+Suassuna
  25. Conceição Evaristo (1946) / https://ematosinho.com.br/?s=Concei%C3%A7%C3%A3o+Evaristo

Publiquei também no blog poemas de muitos outros maravilhosos poetas daqui como:

Adão Ventura (Santo Antônio do Itambé, Minas Gerais, 5 de julho de 1939 – Belo Horizonte, Minas Gerais, 12 de junho de 2004)
Affonso Romano de Sant’Anna (Belo Horizonte, 27 de março de 1937 – Rio de Janeiro, 4 de março de 2025)
Alberto de Oliveira (Saquarema, Rio de Janeiro, 28 de abril de 1857 — Niterói, Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1937)
Alphonsus de Guimaraens (Ouro Preto, Minas Gerais, 24 de julho de 1870 – Mariana, Minas Gerais, 15 de julho de 1921)
Alphonsus de Guimaraens Filho (Mariana, Minas Gerais, 3 de junho de 1918 – Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2008)
Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852)
Ana Cristina Cesar (Rio de Janeiro, 2 de junho de 1952 — Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1983)
Ana Martins Marques (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1977)
Antonio Cicero (Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1945 – Zurique, Suíça, 23 de outubro de 2024)
Armando Freitas Filho (Rio de Janeiro, 1940 – 2024)
Augusto de Campos (São Paulo, 14 de fevereiro de 1931)
Augusto Frederico Schmidt (Rio de Janeiro, 18 de abril de 1906 – Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 1965)
Augusto Massi (São Paulo, 1959)
Carlos Pena Filho (Recife, Pernambuco, 17 de maio de 1929 — Recife, 1 de julho de 1960)
Carolina Maria de Jesus (Sacramento, Minas Gerais, 14 de março de 1914 – São Paulo, 13 de fevereiro de 1977)
Casimiro de Abreu (Barra de São João, atual Casimiro de Abreu, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1839 – Nova Friburgo, Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1860)
Cintia Alves (Barueri, São Paulo, 1972)
Cláudio Manuel da Costa (Vila Real de Nossa Senhora, atual Mariana, Minas Gerais, 5 de junho de 1729 — Vila Rica, atual Ouro Preto, Minas Gerais, 4 de julho de 1789)
Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, Santa Catarina, 24 de novembro de 1861 — Curral Novo, atual Antônio Carlos, Minas Gerais, 19 de março de 1898)
Dalton Trevisan (Curitiba, Paraná, 14 de junho de 1925 — Curitiba, Paraná, 9 de dezembro de 2024)
Décio Pignatari (Jundiaí, São Paulo, 20 de agosto de 1927 — São Paulo, 2 de dezembro de 2012)
Dirceu Villa (São Paulo, 1975)
Dora Ferreira da Silva (Conchas, São Paulo, 1º de julho de 1918 — São Paulo, 6 de abril de 2006)
Edney Cielici Dias (Piacatu, São Paulo, 1963)
Elisa Lucinda (Cariacica, Espírito Santo, 2 de fevereiro de 1958)
Fagundes Varela (São João Marcos, atual Rio Claro, Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1841 – Niterói, Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1875)
Fernanda Spinelli (Santos, São Paulo)
Francisca Júlia da Silva (Xiririca, depois Eldorado Paulista, hoje Eldorado, São Paulo, 31 de agosto de 1871 – São Paulo, 1 de novembro de 1920)
Gilka Machado (Rio de Janeiro, 12 de março de 1893 — Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1980)
Gonçalves de Magalhães (Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1811 – Roma, Itália, 10 de julho de 1882)
Gregório de Matos (Salvador, Bahia, 23 de dezembro de 1636 – Recife, Pernambuco, 26 de novembro de 1696)
Guilherme de Almeida (Campinas, São Paulo, 24 de julho de 1890 — São Paulo, 11 de julho de 1969)
Haroldo de Campos (São Paulo, 19 de agosto de 1929 — São Paulo, 16 de agosto de 2003)
Henriqueta Lisboa (Lambari, Minas Gerais, 15 de julho de 1901 — Belo Horizonte, Minas Gerais, 9 de outubro de 1985)
Jamil Almansur Haddad (São Paulo, 13 de outubro de 1914 — São Paulo, 4 de maio de 1988)
Joaquim de Sousa Andrade, mais conhecido por Sousândrade (Guimarães, Maranhão, 9 de julho de 1833 – São Luís, Maranhão, 21 de abril de 1902)
Jorge de Lima (União dos Palmares, Alagoas, 23 de abril de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1953)
José Godoy Garcia (Jataí, Goiás, 3 de junho de 1918 – Brasília, Distrito Federal, 20 de junho de 2001)
José Lino Grünewald (Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 1931 — Rio de Janeiro, 26 de julho de 2000)
José Nêumanne Pinto (Uiraúna, Paraíba, 18 de maio de 1951)
José Paulo Paes (Taquaritinga, São Paulo, 1926 — São Paulo, 9 de outubro de 1998)
Lélia Coelho Frota (Rio de Janeiro, 11 de julho de 1938 — Rio de Janeiro, 27 de maio de 2010)
Luiz Ribeiro (São Paulo)
Macaio Poetônio (São Paulo, 1990)
Mariana Ianelli (São Paulo, 1979)
Marina Colasanti (Asmara, Eritreia, colonizada pela Itália, 26 de setembro de 1937)
Mário Chamie (Cajobi, São Paulo, 1 de abril de 1933 – São Paulo, 3 de julho de 2011)
Mário de Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945)
Marly de Oliveira (Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, 11 de março de 1935 – Rio de Janeiro, 1º de junho de 2007)
Millôr Fernandes (Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1923 — Rio de Janeiro, 27 de março de 2012)
Miriam Alves (São Paulo, 6 de novembro de 1952)
Murilo Mendes (Juiz de Fora, Minas Gerais, 13 de maio de 1901 — Lisboa, Portugal, 13 de agosto de 1975)
Myriam Fraga (Salvador, Bahia, 9 de novembro de 1937 – Salvador, Bahia, 15 de fevereiro de 2016)
Narcisa Amália (São João da Barra, Rio de Janeiro, 3 de abril de 1852 — Rio de Janeiro, 24 de julho de 1924)
Orides Fontela (São João da Boa Vista, São Paulo, 1940 — Campos do Jordão, São Paulo, 1998)
Oswald de Andrade (São Paulo, 11 de janeiro de 1890 — São Paulo, 22 de outubro de 1954)
Patativa do Assaré (Assaré, Ceará, 5 de março de 1909 — Assaré, Ceará, 8 de julho de 2002)
Paulo Mendes Campos (Belo Horizonte, Minas Gerais, 28 de fevereiro de 1922 — Rio de Janeiro, 1 de julho de 1991)
Raimundo Correia (São Luís, Maranhão, 13 de maio de 1859 — Paris, França, 13 de setembro de 1911)
Raul Bopp (Vila Pinhal, atual Itaara – Rio Grande do Sul, 4 de agosto de 1898 — Rio de Janeiro, 2 de junho de 1984)
Ricardo Domeneck (Bebedouro, São Paulo, 1977)
Ronald de Carvalho (Rio de Janeiro, 16 de maio de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1935)
Solano Trindade (Recife, Pernambuco, 24 de julho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1974)
Thiago de Mello (Barreirinha – Amazonas, 30 de março de 1926 – Manaus – Amazonas, 14 de janeiro de 2022)
Tomás António Gonzaga (Miragaia, Porto, Portugal, 11 de agosto de 1744 — Ilha de Moçambique, 1810)
Torquato Neto (Teresina, Piauí, 9 de novembro de 1944 — Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1972)
Vicente de Carvalho (Santos, São Paulo, 5 de abril de 1866 — Santos, São Paulo, 22 de abril de 1924)
Wally Salomão (Jequié, Bahia, 3 de setembro de 1943 — Rio de Janeiro, 5 de maio de 2003)

E no dizer abaixo do grande bardo da Paulicéia, bons poetas tupiniquins são em número muito maior do que ora apresento:

Eu sou trezentos

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo…
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.

Mário de Andrade

Ouvindo um pássaro

I

Longe, n´um valle de arvoredo umbroso,
gorgeia um pintassilgo enamorado;
ouço-lhe o trino meigo e lamentoso,
o accento apaixonado…
E scismo, em volta na volupia doce,
como se outr´ave enamorada eu fosse.

II

Ao madrigal do pássaro responde,
dentro em meu peito, um límpido gorgeio…
— E´minh´alma que trila, sobre a fronde
da crença, amante o seio!…
— Aves se affectos, scismas e luares,
compreendem-se e casam-se nos ares!…

III

O coração de onde deserta o sonho
é desolado como um Campo-Santo;
cinge-o nos élos frios um medonho
réptil, — o Desencanto,
Quando ele guáia e em prantos se abebéra,
fogem, voando, o Amor e a Primavera.

IV

Ai! da creança, que lhe brinca à porta!…
Ai! do sedento, que o demande!… Móra
na cryspa esconsa, da Esperança mórta
a sombra , que apavora…
— Negreje a noute, resplandeça o dia,
mésta, uma estrige, nos salgueiros pía!

V

Por isso guardo o sonho meu captivo,
há longos annos, neste cófre d´alma,
— Canto, emudeço, e, incompreendida, vivo
triste, silente, calma,
a esse gorgeio magico, distante,
— o ouvido atento, — a alma saudosa e amante.

Narcisa Amália (São João da Barra, Rio de Janeiro, 3 de abril de 1852 — Rio de Janeiro, 24 de julho de 1924)

Poesia pequena

Para falar a verdade
gostaria de uma poesia
como se madeira.

E que deixasse saudade
como as viagens nos caminhos da infância.
E também fosse igual aos chapéus
dos velhos palhaços.
Os cabelos da mulher amada.

E que a minha poesia fosse forte, valente,
como um caminhão carregado de madeira ou saco de sal,
como os sentimentos que o meu coração guarda,
e pudesse derreter, como o fogo, o ferro,
a espada dos tiranos.

Poesia pequena como uma estrela
e grande e forte como um cavalo.
E grande e forte como uma locomotiva.
E grande e forte como uma rosa vermelha.

José Godoy Garcia (Jataí, Goiás, 3 de junho de 1918 – Brasília, Distrito Federal, 20 de junho de 2001). Curadoria de Luís Araujo Pereira

Olhos verdes

Olhos encantados, olhos cor do mar
Olhos pensativos que fazeis sonhar!
Que formosas cousas, quantas maravilhas
Em vos vendo sonho, em vos fitando vejo:
Cortes pitorescos de afastadas ilhas
Abanando no ar seus coqueirais em flor,
Solidões tranquilas feitas para o beijo,
Ninhos verdejantes feitos para o amor…

Olhos pensativos que falais de amor!
Vem caindo a noute, vai subindo a lua…
O horizonte, como para recebê-las,
De uma fímbria de ouro todo se debrua;
Afla a brisa, cheia de ternura ousada,
Esfrolando as ondas, provocando nelas
Bruscos arrepios de mulher beijada…
Olhos tentadores da mulher amada!

Uma vela branca, toda alvor, se afasta
Balançando na onda, palpitando ao vento;
Ei-la que mergulha pela noute vasta,
Pela vasta noute feita de luar;
Ei-la que mergulha pelo firmamento
Desdobrado ao longe nos confins do mar…
Olhos cismadores que fazeis cismar!

Branca vela errante, branca vela errante,
Como a noite é clara! como o céu é lindo!
Leva-me contigo pelo mar… Adiante!
Leva-me contigo até mais longe, a essa
Fímbria do horizonte onde te vais sumindo
E onde acaba o mar e de onde o céu começa…
Olhos abençoados, cheios de promessa!
Olhos pensativos que fazeis sonhar,
         Olhos cor do mar!

Vicente de Carvalho (Santos, São Paulo, 5 de abril de 1866 — Santos, São Paulo, 22 de abril de 1924). In “Poemas e canções”, 1908