Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
– ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny (Lisboa, Portugal, 9 de agosto de 1923 — Lisboa, Portugal, 26 de novembro de 2006). In “Nobilíssima visão”

Leilão de acervos residenciais (com participação de 13 livros de arte pertencentes a mim)

Leilão 53089
Leilão de acervos residenciais

Dentre vários itens, damos destaques para:
Coleção de relógios de pulso, peças decorativas em cerâmica e porcelana, esculturas de bronze, conjuntos de jogos americanos, peças de colecionismo, cristais, vários quadros decorativos com preços super atrativos, gravuras como a de Marcello Grassmann, cama de casal em jacarandá, livros, tapetes e várias peças decorativas.

Exposição
Visitação apenas com agendamento prévio
Somente com horário agendado pelo e-mail novaeraleiloes@gmail.com
Rua João Pereira, 220 – Lapa – SP – Primeiro andar, box 3.117

Leilão
Dias 27 e 28 de junho de 2025
Sexta e sábado às 15h

Leilão apenas virtual

Leiloeira
Flavia Cardoso Soares – Jucesp nº 948

Organização: Nova Era Leilões – Leonardo França

Catálogo completo com os 480 lotes disponíveis: https://www.leiloesnovaera.com.br/catalogo.asp?Num=53089

Bons lances para todos!

Serenos

Sereno… Sereno…
Nem vento bolindo…
Perfume de rosas, de lírios, (meu bem!)
Saudades… que chuva de mágoas caindo!
E esta alma sozinha que penas que tem!

Sereno… Sereno…
E as coisas parecem
Caladas, distantes…

— Ai Pedro, que frio!
Nem árvores! — cessem
murmúrios ondeantes
das águas do rio.

Anseios, que valem?
Serenos se calem,
Serenos, que a vida
Começa amanhã,
E as coisas, coitadas,
Quietas, caladas,
Nem deram por mim…

Não vás acordá-las,
Deixá-las, deixa-las
Que eu fico-me assim…
(E o vento a embalá-las
Serenas… e o mar…)
Oh noite, que exalas
Saudades e luar!

António Pedro (Praia, Cabo Verde, 9 de dezembro de 1909 – Praia de Moledo, Moledo, Portugal, 17 de agosto de 1966). In “Devagar”, 1929

Arte poética

A poesia do abstracto?
Talvez.
Mas um pouco de calor,
A exaltação de cada momento,
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor!
Uma ideia,
Só como sangue de problema;
No mais, não,
Não me interessa.
Uma ideia
Vale como promessa,
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
E uma pergunta é dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
Secura.
Perde;
E diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia.
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o concreto
São propriamente poesia.
A poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto, não.

Vitorino Nemésio (Santa Cruz, Praia da Vitória, Açores, Portugal, 19 de dezembro de 1901 – Prazeres, Lisboa, Portugal, 20 de fevereiro de 1978). In “O bicho harmonioso”

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros (Cuiabá, Mato Grosso, 19 de dezembro de 1916 – Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 13 de novembro de 2014)