O Surgimento da sociologia nos Estados Unidos e a formação da Escola de Chicago

Para avançar a ciência social praticada no Brasil temos que entender como a sociologia evoluiu no mundo e nada melhor do que estabelecer um olhar no caminho adotado pelos americanos nesse campo. E lá acompanhar a contribuição fundamental da Escola de Chicago – afinal ela se tornou uma referência. A sociologia nos Estados Unidos surgiu com um caráter duplo, ou seja, como uma ciência prática voltada para a ação e para as reformas sociais e como uma ciência sistemática voltada para a explicação da realidade social global através de categorias gerais. Abordando esse assunto continuo minha contribuição ao site “Vivendocidade”.

A sociologia americana teve um início precoce, mais isolado. Em 1754 já era dada a primeira instrução sobre “Fins e Usos da Sociedade” no Colégio de Filadélfia e, 40 anos depois, em 1794, houve um curso de “Humanidades” no Colégio de Colúmbia, cujo catálogo se pareceu bastante com os das classes elementares de sociologia adotados um século mais tarde.

Nos EUA as ciências sociais avançaram bastante nas últimas décadas do século XIX até chegar ao apogeu na Escola de Sociologia de Chicago (1915-1940). O Departamento de Sociologia de Chicago começou a se projetar no início da década de 1910 e rapidamente tornou-se o seu principal centro de estudos e de investigação sociológica.

Na história da sociologia americana destacam-se seis “pais fundadores” que são: Willian Graham Sumner, Lester Frank Ward, Franklin Henry Giddings, Charles Horton Cooley, Edward Allworth Ross e Albion Woodbury Small.

Pode-se dividir o desenvolvimento da sociologia americana em cinco grandes fases: surgimento (introdução dos cursos de sociologia durante as duas últimas décadas do século XIX); difusão (entre 1900 e 1920, marcada pela criação da Sociedade Sociológica Americana); consolidação (entre 1920 e 1935, com a criação de linhas originais de pesquisa, ampliação do ensino e multiplicação de revistas especializadas); funcionalismo secundado pelo interacionismo simbólico e, finalmente, diversidade (marcado pelo movimento da “sociologia crítica” da década de 60, caracterizada por uma grande diversidade de orientações teórico-metodológicas).

O primeiro americano a organizar um material sociológico foi Robert Hamilton Bishop (1777-1855) ao dar, de 1834 a 1836, um curso na Universidade de Miami chamado “A Filosofia das Relações Sociais”.

Utilizando o termo híbrido “Ciência Social”, destaca-se a obra precursora de Henry Charles Carey (1793-1879) intitulada “The Principles of Social Science” (Os Princípios da Ciência Social), publicada em 1858-60 e influenciada pelo protecionista alemão Friedrich List. Dessa obra originou-se a “American Social Science Association” (Associação Americana da Ciência Social), que se organizou para promover um ponto de vista mais ou menos “sintético” da vida social e que tinha também uma forte tendência de reforma social.

O primeiro fundador foi William Graham Sumner (1840-1910) que foi influenciado pelas idéias de Herbert Spencer e que desenvolveu importante trabalho na Universidade de Yale, combinando o evolucionismo de Darwin, o “laissez-faire” e o pessimismo malthusiano com o ardor puritano, já que foi educado originalmente para o sacerdócio.

No outro extremo e influenciado diretamente pelo filósofo francês Auguste Comte temos Lester Frank Ward (1841-1913). Este pensador, quase autodidata, produziu até então o mais imponente e vasto sistema de sociologia de sua época, caracterizado por possuir um corpo de conhecimento científico-natural sem equivalentes até então nos Estados Unidos.

Em Colúmbia aparece o sociólogo Franklin Henry Giddings (1855-1931) por sua vasta erudição e por ter exercido grande influência tanto no estudo da sociologia como no espírito de seus alunos, que ocuparam com destaque a maioria dos lugares sociológicos do Leste americano. A sua influência mais importante na sociologia americana veio do seu primitivo interesse pela demografia e pelo uso da estatística.

Outro nome de destaque foi Charles Horton Cooley (1864-1929) que foi ligado à Universidade de Michigan e que centrou suas preocupações nos aspectos psíquicos da vida social, contribuindo muito para a psicossociologia em língua inglesa. Sua obra mostra que o eu e a sociedade são apenas dois aspectos da mesma coisa, na medida em que os seus são produtos sociais e a sociedade é o resultado de sua inter-relação orgânica e contínua.

Finalmente, temos a obra de Edward Alsworth Ross (1866-1951), que teve um importante papel no desenvolvimento da sociologia na Universidade de Wisconsin. Ele orientou muitos alunos que difundiram suas doutrinas e destacou-se inicialmente no campo da psicossociologia e, mais tarde, na análise e classificação dos processos sociais e nos problemas das transformações sociais e das relações internacionais.

A Universidade de Chicago foi fundada em 1890 e admitiu seus primeiros alunos em 1892, com o apoio dos Batistas e da filantropia capitalista, com destaque para o magnata do petróleo e dono da Standard Oil John Davison Rockefeller (1839-1937).

Albion Woodbury Small (1854-1926) foi o primeiro diretor do Departamento de Sociologia dessa Universidade e essa seção foi a primeira a ser fundada como unidade independente em todo o mundo.

A assim chamada Escola de Sociologia de Chicago teve um predomínio durante toda a terceira fase da sociologia americana, entre 1920 e 1935 (consolidação). Ela destaca-se pelas teorizações originais, pelas técnicas de pesquisa empíricas e pelos temas de investigação que introduzem. Oferecia ensino de graduação e de pós-graduação associado à pesquisa de alto padrão e numa perspectiva de prestação de serviços à comunidade.

Essa Escola marca uma virada no impacto que a investigação sociológica teve sobre a sociedade, estabelecendo claramente uma tradição intelectual na sociologia. Ela caracteriza-se por propor uma sociologia urbana, caracterizada por uma abordagem empírica que se propunha a estudar a sociedade em seu conjunto. Seus temas principais foram os problemas que enfrentava a cidade de Chicago e também o problema político e social da imigração e da assimilação dos imigrantes à sociedade americana. Deram destaque aos estudos sobre a criminalidade e a delinqüência.

Marcada inicialmente pela sociologia qualitativa, seus sociólogos fizeram importantes contribuições, desenvolvendo métodos originais de investigação, como a utilização científica de documentos pessoais (autobiografias, correspondência particular, diários e relatos), o trabalho de campo sistemático (a observação, a entrevista, o testemunho) e a exploração de diversas fontes documentais. Em Chicago, a sociologia quantitativa (entre 1930 e 1940) e que foi desenvolvida em paralelo à qualitativa veio a suplantá-la a partir da Segunda Guerra Mundial.

Além dos estudos da sociologia da estrutura urbana, de ecologia humana, das relações sociais, da psicologia social e da cultura urbanas, os temas de suas principais pesquisas giravam em torno dos grupos imigrantes na América, como os poloneses, os japoneses, checos, italianos, suecos, alemães, judeus e chineses; da dimensão da vida dos negros, incluindo a escravidão; da imprensa; da família e de aspetos desta, como juventude, formação da personalidade, desorganização familiar, mobilidade feminina, controle da natalidade, divórcio, padrões demográficos; das relações raciais, dos preconceitos, consciência de raça e assuntos teológicos. Entre seus temas encontram-se também as investigações sobre os movimentos sociais, as revoluções, os desvios e a marginalidade, o juizado de menores, os sistemas de castigo, as áreas de vício, o suicídio, a insanidade, as seitas proibidas e religiosas, o comportamento de massas e multidões, a opinião pública, a mídia, as expressões coletivas e a mudança cultural, os fatores econômicos e as instituições, como a companhia de trens de Chicago, a circulação de dinheiro no mercado, as greves; além de estudos específicos sobre algumas comunidades.

Entre os muitos sociólogos importantes na trajetória acadêmica da Escola de Sociologia de Chicago destacam-se Albion Woodbury Small, William Isaac Thomas, George Edgar Vincent, Robert Ezra Park e Ernest Watson Burgess.

Pode-se dizer que foi a partir dos anos 1920 e início dos 1930 que se deu origem ao desenvolvimento de um método de pesquisa nesta Escola. Nos primeiros tempos os estudiosos estavam simplesmente inventando métodos de pesquisa, pois isso era uma coisa que não existia. Depois os pesquisadores criaram métodos para si próprios, coletando autobiografias de camponeses, analisando as cartas desses atores sociais ou fazendo entrevistas. Até esse momento, os estudos das relações entre indivíduos e seu meio ambiente permaneciam abstratos. Foi a partir da incorporação de novas fontes primárias de pesquisa, como as cartas pessoais, as autobiografias, as histórias de vida, as monografias de bairros, entre outras, que se inova no conhecimento direto da realidade humana e social.

Essa escola deixou para trás a sociologia especulativa da época anterior a sua, sendo o berço de uma grande variedade de abordagens empíricas, inclusive a da observação participativa, que tem em comum o fato de se inserir em uma sociologia urbana prática e de ter inaugurado a indagação sociológica direta junto aos indivíduos.

Fica, então, esse registro histórico– e que sirva de referência para o desenvolvimento da sociologia no Brasil.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (24/11/2011)

Autor: ematosinho

Eduardo Matosinho é economista e sociólogo com bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem 60 anos e é casado com Luiza Maria da Silva Matosinho e com ela tem um filho de nome João Alexandre da Silva Matosinho. Trabalha atualmente na Galeria Pontes (https://www.galeriapontes.com.br/), onde já está há 17 anos.

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