A noite nos impõe sua tarefa
mágica. Destecer o universo,
as ramificações infinitas
de causas e efeitos, que se perdem
nessa vertigem sem fundo, o tempo.
A noite quer que esta noite esqueças
teu nome, os antepassados e o sangue,
cada palavra humana e cada lágrima,
o que a vigília possa te ensinar,
o ponto ilusório dos geômetras,
a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,
o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,
tua bochecha na almofada, o frescor
do lençol novo, os jardins,
os impérios, os Césares e Shakespeare
e o que é mais difícil, o que amas.
Curiosamente, uma pílula pode
apagar o cosmos e erguer o caos
Jorge Luis Borges (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, Suíça, 14 de junho de 1986). Tradução de Floriano Martins (Fortaleza, Ceará, 1957) que é poeta, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor.