No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa…
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria…
Ah, os sentidos, os doentes que veem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão…
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos…
Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo
Porque a imperfeição é uma cousa,
E haver gente que erra é original,
E haver gente doente torna o Mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos,
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir…
Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos”, heterônimo de Fernando Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935)
Poema postado no Facebook pela prima Mariangela Devienne Ferreira