Eu quis acender o espírito da vida,
Quis refundir meu próprio molde,
Quis conhecer a verdade dos seres, dos elementos,
Me rebelei contra Deus,
Contra o papa, os banqueiros, a escola antiga,
Contra minha família, contra meu amor,
Depois contra o trabalho,
Depois contra a preguiça,
Depois contra mim mesmo,
Contra minhas dimensões:
Então o ditador do mundo
Mandou me prender no Pão de Açúcar;
vêm esquadrilhas de aviões
Bicar o meu fígado
Vomito bílis em quantidade,
Contemplo lá embaixo as filhas do mar
vestidas de maillot, cantando sambas,
Vejo as madrugadas, as tardes nascerem
– Pureza e simplicidade da vida! –
Mas não posso pedir perdão.
Murilo Mendes (Juiz de Fora, MG, 13 de maio de 1901 — Lisboa, Portugal, 13 de agosto de 1975)