Relato de coisa muito antiga

“Foi no tempo em que as ruas de nossa cidade ainda tinham nomes de santos. A travessa Cônego Miguel, por exemplo, chamava-se Santo Antônio; a Serzedelo Corrêa era São Mateus; a Cipriano Santos, São João. A Senador Pinheiro não tinha nome de santo, mas chamava-se romanticamente Rua do Sol porque descia exatamente na direção onde, durante um certo tempo do ano, o sol nascia. Quem olhasse, manhãzinha, daqui de cima, tinha a exata impressão que a bola enorme do sol, durante alguns momentos, pousava sobre o leito da rua, lá em baixo. Era um quadro bonito, mas ninguém prestava atenção. Rua era para andar.

Foi no tempo em que essas ruas não tinham ainda a luz elétrica que têm hoje, mas toscos lampiões de querosene que quase nada iluminavam, quase nada clareavam. Tardinha, mal começava a escurecer, os empregados da Intendência percorriam as poucas ruas que tinham este privilégio. Abasteciam e depois acendiam. A criançada que morava por perto acompanhava a tarefa com um sorriso nos lábios, entre pulos e gritos, cada vez que uma luz aparecia. Os lampiões tinham uma luz mortiça e amarelada…”

Em 1999, um ano e sete meses antes de sua morte, Valdir Sarubbi concluiu o seu livro de memórias intitulado “Estórias Paralelas”. Dessa obra de 140 páginas seleciono o trecho acima “Relato de coisa muito antiga”.

Valdir Sarubbi (Bragança, Pará, 10 de outubro de 1939 – São Paulo, 8 de novembro de 2000)

Autor: ematosinho

Eduardo Matosinho é economista e sociólogo com bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem 60 anos e é casado com Luiza Maria da Silva Matosinho e com ela tem um filho de nome João Alexandre da Silva Matosinho. Trabalha atualmente na Galeria Pontes (https://www.galeriapontes.com.br/), onde já está há 17 anos.

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