“Foi no tempo em que as ruas de nossa cidade ainda tinham nomes de santos. A travessa Cônego Miguel, por exemplo, chamava-se Santo Antônio; a Serzedelo Corrêa era São Mateus; a Cipriano Santos, São João. A Senador Pinheiro não tinha nome de santo, mas chamava-se romanticamente Rua do Sol porque descia exatamente na direção onde, durante um certo tempo do ano, o sol nascia. Quem olhasse, manhãzinha, daqui de cima, tinha a exata impressão que a bola enorme do sol, durante alguns momentos, pousava sobre o leito da rua, lá em baixo. Era um quadro bonito, mas ninguém prestava atenção. Rua era para andar.
Foi no tempo em que essas ruas não tinham ainda a luz elétrica que têm hoje, mas toscos lampiões de querosene que quase nada iluminavam, quase nada clareavam. Tardinha, mal começava a escurecer, os empregados da Intendência percorriam as poucas ruas que tinham este privilégio. Abasteciam e depois acendiam. A criançada que morava por perto acompanhava a tarefa com um sorriso nos lábios, entre pulos e gritos, cada vez que uma luz aparecia. Os lampiões tinham uma luz mortiça e amarelada…”
Em 1999, um ano e sete meses antes de sua morte, Valdir Sarubbi concluiu o seu livro de memórias intitulado “Estórias Paralelas”. Dessa obra de 140 páginas seleciono o trecho acima “Relato de coisa muito antiga”.
Valdir Sarubbi (Bragança, Pará, 10 de outubro de 1939 – São Paulo, 8 de novembro de 2000)