“Eu sou pobre, pobre, pobre,
vou me embora, vou me embora…
(…)
Eu sou rica, rica, rica,
vou-me embora daqui!…”
(Cantiga Antiga)
“Sapo não pula por boniteza,
mais porém por persissão.”
(Provérbio Capiau)
Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Estêves. Augusto Estêves, filho do Coronel Afonsão Estêves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto — o homem — nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici.
(…)
— Mal em mim não veja, meu patrão Nhô Augusto, mas to dos no lugar estão falando que o senhor não possui mais nada, que perdeu suas fazendas e riquezas, e que vai ficar pobre, no já-já… E estão conversando, o Major mais outros grandes, querendo pegar o senhor à traição. Estão espalhando… — o senhor dê o perdão p’r’a minha boca que eu só falo o que é perciso — estão dizendo que o senhor nunca respeitou filha dos outros nem mulher casada, e mais que é que nem cobra má, que quem vê tem de matar por obrigação… Estou lhe contando p’ra modo de o senhor não querer facilitar. Carece de achar outros companheiros bons, p’ra o senhor não ir sozinho… Eu, não, porque sou medroso. Eu cá pouco presto… Mas, se o senhor mandar, também vou junto.
Mas Nhô Augusto se mordia, já no meio da sua missa, vermelho e feroz. Montou e galopou, teso para trás, rei na sela, enquanto o Quim Recadeiro ia lá dentro, caçar um gole d’água para beber. Assim.
Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Estêves, naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e passaria umas rodadas sem jogar fazendo umas férias na vida: viagem, mudança, ou qualquer coisa ensossa, para esperar o cumprimento do ditado: “Cada um tem seus seis meses…”
João Guimarães Rosa (Cordisburgo, Minas Gerais, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), In “Sagarana”, Conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, Literatura comentada, Nova Cultural, 1988. Ilustração de Poty