O Dia Internacional da Mulher visto por um homem simples e por uma mulher de garra

Nessas faltas de água de março peço a ajuda de Fátima Pacheco Jordão, socióloga e pesquisadora da FPJ (Fato, Pesquisa e Jornalismo), para contar um pouco da história desse dia tão falado. Vamos aos fatos:

A origem histórica do dia 8 de março se deu há 158 anos atrás quando, em 1857, 130 operárias americanas morreram queimadas após serem impedidas de sair de uma fábrica têxtil em Nova Iorque. A atitude dos patrões era uma represália ao movimento grevista das costureiras, que pleiteavam redução da jornada diária de trabalho. Naquela época, as mulheres não tinham voz – nem socialmente, nem politicamente. Eram discriminadas no trabalho, não tinham direito a voto e nem podiam participar dos espaços de representação política.

Dando seqüência aos fatos, em 1910 foi decidido em uma conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca comemorar esse dia como o “Dia Internacional da Mulher” em homenagem àquelas mulheres americanas mortas. Naquela ocasião as mulheres reivindicavam, além do direito de voto e de participação pública, o direito de trabalhar, de treinamento vocacional e do fim da discriminação no trabalho.

Desde 1975, em sinal de apreço pela luta das mulheres, as Nações Unidas decidiram consagrar também o dia 8 de março como o “Dia Internacional da Mulher”. Seria importante lembrar que aquela data histórica teve um grande impacto na legislação trabalhista americana e mundial e as péssimas condições de trabalho das mulheres sempre foram invocadas em todas as comemorações do “Dia Internacional da Mulher”. E essa luta continua até os dias de hoje.

No Brasil temos como marco das conquistas das mulheres a data de 24 de fevereiro de 1932, quando foi instituído o voto feminino. Desta forma, as mulheres conquistavam, depois de muitos anos de reivindicações e discussões, o direito de votar e serem eleitas para cargos no Executivo e Legislativo.

Na política brasileira o espaço ocupado pelas mulheres tem crescido bastante, mais ainda temos muitos desafios pela frente. Um dos principais é trazer para o mundo político a competência e a sensibilidade do trabalho feminino. Espero, cada vez mais, que consigamos superar as dificuldades conseqüentes do próprio gênero que, muitas vezes, ao impor obrigações maternas, reduzem o espaço de participação das mulheres na vida política.

As mulheres que colaboraram nessa conquista foram, entre tantas outras, Alice Tibiriça, uma mineira de Ouro Preto, que sugeriu ao presidente Getútio Vargas, em 1932 a criação do Dia das Mães e também trouxe as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher ao Brasil em 1947. Outras foram Anita Garibaldi, Chiquinha Gonzaga, a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, e Pagu, do Modernismo de 1922.

Temos muito que avançar e estabelecer igualdade de participação nos partidos e ampliar ainda mais a presença delas no Parlamento e na vida pública. Segundo o ranking do IPU na posição das mulheres brasileiras nos países da América Latina está em 18º lugar, atrás de países como Cuba, Chile, Paraguai, Colômbia e Uruguai. Torcemos para que a cultura de participação política brasileira das mulheres se consolide dia após dia, para que as lideranças femininas tornem-se, efetivamente, quadros políticos de relevância.

Espero que tenham gostado, homens e mulheres, leitores desse site, e que voltem sempre a nos prestigiar com sua visita.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (06/03/2015)

Batalha do Jenipapo: importante luta pela independência do Brasil, no Piauí

Dia 13 de dezembro do ano que terminou viajei por vinte dias pelo Piauí e visitei o monumento dos heróis da Batalha do Jenipapo ocorrida em 13 de março de 1823. Confesso que me impressionei muito com a história viva que vi de parte desse nosso enorme Brasil e com o desconhecimento geral aqui no sul maravilha sobre esse importante acontecimento. Convido os leitores do “Vivendocidade” para mergulharem nessa história que escrevi em parceria com o professor de história piauiense Paulo Silva de Sousa.

Campo Maior, onde a batalha aconteceu próxima ao Riacho Jenipapo, fica a 84 km da capital do Piauí (Teresina) e caracteriza-se pela presença marcante da palmeira Carnaúba (“Copernicia prunifera”), que lhe rendeu o apelido de “Terra dos Carnaubais”. Sua principal atração turística é o Açude Grande, hoje infelizmente bem poluído e maltratado.

Essa luta foi a mais violenta e única batalha sangrenta pela Independência do Brasil e pela consolidação do território nacional, e foi vencida pelos portugueses.

Seus principais líderes foram Leonardo Castelo Branco, José Pereira Filgueiras, Luis Rodrigues Chaves, Alexandre Nereu, João da Costa Alecrim e Tristão Gonçalves Alencar, cujos corpos estão enterrados no cemitério localizado atrás do monumento, em túmulos rústicos de pedra e cruz de madeira. As estatísticas mostram que houve entre brasileiros e portugueses um total de 200 mortos ou feridos e 542 prisioneiros.

Além da população do Piauí, maranhenses e cearenses participaram do levante popular contra as tropas lideradas pelo major João José da Cunha Fidié (veterano das guerras napoleônicas), que desejavam manter a região sob domínio português e sufocar os movimentos de independência. O embate pode ser visto como um dos momentos chave da adesão da província piauiense ao processo emancipatório brasileiro.

Os brasileiros lutaram com instrumentos simples, não com armas de guerra e não tinham experiência de guerra. Perderam a batalha, mas fizeram com que a tropa desviasse o seu destino.

A data não consta nos livros de História e poucos sabem do ocorrido, mesmo no Piauí, onde ocorreu a batalha. Contudo, após alguns movimentos por parte de políticos, de historiadores e da população, a data foi acrescida à bandeira do Piauí e está em curso a implantação do estudo da Batalha do Jenipapo na disciplina de História.

A história foi mais ou menos assim: Após a declaração da independência do Piauí feita a 19 de outubro de 1822, em Parnaíba, o comandante português reúne suas tropas e parte de Oeiras em direção à Parnaíba, a 13 de novembro, para combater os emancipacionistas brasileiros.

Fidié chega a Campo Maior e, no dia 13 de março de 1823, pela manhã, tem início a batalha entre suas tropas bem armadas e experientes e brasileiros sem treinamento militar, utilizando paus, pedras e outros materiais de pouco poder ofensivo. Devido a superioridade bélica, o que se viu à beira do Jenipapo foi um massacre.

Mesmo com a derrota do movimento popular, a Batalha do Jenipapo tornou-se decisiva para afastar o major Fidié do Piauí e consolidar a independência e a unidade territorial do Brasil. Enfraquecidas, as tropas fiéis à coroa seguiram para Caxias, no Maranhão, onde foram derrotadas por piauienses, maranhenses e cearenses, a 31 de julho de 1831.

Essa Batalha é um capítulo fundamental no processo de consolidação do território brasileiro e o 13 de março passou a ser estampada na bandeira do Piauí, a partir de 2005, após aprovação da Assembléia Legislativa daquele estado. Lá é feriado estadual.


Legenda das fotos:

1) Arte pictórica de Francisco Paz retratando o conflito;

2) Afresco patrocinado pela Prefeitura de Campo Maior;

3) Cemitério dos heróis da batalha localizada na parte de trás do Monumento da Batalha do Jenipapo.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (28/01/2015)

Dia Nacional da Consciência Negra

Em nova colaboração ao site “Vivendocidade” falarei um pouco sobre a história do Dia Nacional da Consciência Negra. Espero que seja proveitoso! Como todos sabemos, no dia 20 de novembro comemora-se a data da Consciência Negra que marca o aniversário da morte de Zumbi ocorrida em 1695, portanto, há 318 anos atrás. Essa data foi criada em 2003 pela Lei nº 10.639 e tornou obrigatório, a partir de então, o ensino da História da África e dos afro-brasileiros no Ensino Fundamental e Médio. Essa lei chega aos dez anos e seu maior desafio ainda é o da superação do racismo na educação.

Zumbi (Palmares, Alagoas, 1655 – Viçosa, Alagoas, 20 de novembro de 1695) nasceu livre no quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, maior dos quilombos formados no período colonial, chegando a ter quase 30 mil habitantes. Zumbi foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado “Francisco”, ele recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa.

Apesar destas tentativas de aculturá-lo, Zumbi escapou em 1670 e, com quinze anos, retornou ao seu local de origem. Ele então se tornou conhecido pela sua destreza e astúcia na luta e já era um estrategista militar respeitável quando chegou aos vinte e poucos anos. Ele chefiou os negros nos combates contra bandeirantes e capangas que queriam escravizá-los novamente. Foi traído e morto numa emboscada aos 40 anos de idade na serra Dois Irmãos, em Pernambuco, depois de ser barbaramente perseguido pelo bandeirante Domingos Jorge Velho e traído por Antônio Soares, um de seus homens de confiança, que havia sido capturado e torturado dias antes.

Seu corpo foi levado para Recife, onde foi exposto para amedrontar os outros escravos. Sem uma liderança, Palmares foi totalmente destruída, muitos negros voltaram à escravidão, outros fugiram e alguns foram perdoados pelos senhores de então.

Ele foi o último líder do pioneiro e mais importante quilombo existente no Brasil, Palmares, por este motivo ele é considerado pelo movimento negro o símbolo maior da resistência contra a escravidão em nosso país. Vemos pela nossa história que a abolição da escravatura só veio a ser decretada em 1888. Porém, os negros sempre resistiram e lutaram contra a opressão e as injustiças advindas da escravidão, como nos mostra a resistência estabelecida por Zumbi dentro do quilombo de Palmares.

Essa consciência é muito importante, pois mostra, principalmente para as nossas crianças, a contribuição sócio-cultural dos negros, e ajuda a combater em nossa sociedade o racismo e as discriminações sociais.


A obra acima denomina-se “Senzala”, mede 50 x 134 x 40 cm e é uma escultura em madeira feita por Antonio Julião que é mineiro de Prados e tornou-se o maior expoente do grupo de artistas conhecido como “família Julião”. Ele realiza suas obras com força criativa, originalidade e evidentes recursos técnicos, em concepções de grandes proporções, em geral colunas esculpidas em um único tronco. Seus temas freqüentemente revelam crítica social e ambiental, ao expressarem ao mesmo tempo temas como o da senzala, de evidente conotação social e outros que retratam a visão utópica do homem em harmonia com a natureza, no paraíso. Essa obra faz parte do acervo da Galeria Pontes (www.galeriapontes.com.br), inaugurada em setembro de 2008, é especializada em arte popular brasileira. Ela está localizada em São Paulo e atualmente funciona apenas como galeria virtual.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (13/11/2013)

Pierre Bourdieu e a teoria da simbolização

Na sociologia contemporânea a linha de pesquisa sobre cultura, simbolização e representações sociais reúne pesquisas variadas sobre instituições, expressões culturais, história intelectual e processos intelectuais contemporâneos, reflexividade e sociologia da sociologia. Dito isso, seguimos com nossa contribuição periódica ao site “Vivendocidade” analisando um pouco da obra de Pierre Bourdieu (Denguin – França, 1 de agosto de 1930 — Paris, 23 de janeiro de 2002).

Em termos teóricos, a obra sociológica de Pierre Bourdieu trata com destaque das teorias da simbolização. Sua discussão sociológica centralizou-se, ao longo de sua obra, na tarefa de desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominação. Para empreender esta tarefa, esse sociólogo francês desenvolve conceitos específicos, retirando os fatores econômicos do epicentro das análises da sociedade, a partir de um conceito concebido por ele como violência simbólica, no qual Bourdieu advoga acerca da não arbitrariedade da produção simbólica na vida social, advertindo para seu caráter efetivamente legitimador das forças dominantes, que expressam por meio delas seus gostos de classe e estilos de vida, gerando o que para ele pretende ser uma distinção social.

Em sua obra Bourdieu criou uma vasta terminologia própria, onde se pode destacar, entre outras, a definição de capital simbólico, que se especifica como capital acadêmico, intelectual, de prestígio, inicial, social, de conceitos, de métodos ou de técnicas; distinção e habitus; mercado de bens simbólicos, investimento simbólico, exército de reserva intelectual; lucro absoluto, simbólico ou científico; gratificação material e simbólica; golpe de estado simbólico, atentado simbólico, política simbólica, jurisprudência cultural, entre outros.

Destacamos, a seguir, três conceitos centrais da teoria proposta por Bourdieu que são campo, habitus e capital. O primeiro é o conceito de campo que representa um espaço simbólico, no qual lutas dos agentes determinam, validam, legitimam representações. É o poder simbólico. Nele se estabelece uma classificação dos signos, do que é adequado, do que pertence ou não a um código de valores. No campo da arte, por exemplo, a luta simbólica determina o que é erudito, ou o que pertence à indústria cultural. Determina também quais valores e quais rituais de consagração as constituem, e como elas são delineadas dentro de cada estrutura. No campo, local empírico de socialização, o habitus constituído pelo poder simbólico surge como um todo e consegue impor significações, datando-as como legítimas. Os símbolos afirmam-se, assim, na noção de prática, como os instrumentos por excelência de integração social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida.

O segundo conceito é o de habitus e relaciona-se à capacidade de uma determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de disposições para sentir, pensar e agir. O terceiro é o de capital, que é um conceito que discute a quantidade de acúmulo de forças dos agentes em suas posições no campo. Ele distingue, no decorrer de sua obra, quatro principais tipos de capital: o social, o cultural, o econômico e o simbólico (no qual se inclui o científico).

Seu livro “Meditações pascalianas”, de 1997, pode ser considerada uma obra mais filosófica do que sociológica. Sua intenção foi, antes de tudo, expressar conceitos com o maior rigor científico possível e superar a “bela prosa”, carregada de “mitologia política”, de uma representação do mundo social limitada a uma fração específica da classe dominante, oriunda da Escola Normal Superior que o formou. Esta obra enfoca diretamente as teorias da simbolização em um capítulo inteiro, de número V, denominado “Violência simbólica e lutas políticas”, e em pelo menos dois artigos, um apresentado no capítulo II, denominado “A forma suprema da violência simbólica”, e outro, no último capítulo de número VI, denominado “O capital simbólico”.

Bourdieu trata nesse livro de uma questão epistemológica importante que é o fato de que a diferença do objeto teórico residir no ato constitutivo da ciência que opera sobre o real uma operação de inscrição de categorias constitutivas, ou, ao contrário, essa diferença resulta de elementos empiricamente verificáveis, anteriores e externos à interrogação questionadora no campo. Esta questão epistemológica possui uma grande atualidade sociológica e é por ela que passa a diferença entre a razão escolástica e o saber prático.

Exporemos a seguir os principais pontos discutidos por Bourdieu nesse livro a respeito das teorias da simbolização. Para mantermos a mesma ordem cronológica apresentada no livro, comecemos pelo artigo do capítulo II. No texto “A forma suprema da violência simbólica” Bourdieu afirma que a racionalidade constitui, logicamente, um móvel central de competição das lutas históricas, isto, segundo ele, porque a razão tende a se tornar uma força histórica cada vez mais decisiva. Em seguida toca no ponto essencial ao afirmar que a forma por excelência da violência simbólica é o poder exercido pelas vias da comunicação racional, ou seja, com a adesão dos que estão forçados a conceder sua aquiescência ao arbitrário da força racionalizada.

Resume seu ponto de vista afirmando que será preciso mobilizar cada vez mais recursos e justificações técnicas e racionais para dominar, e os dominados deverão se servir ainda mais da razão para se defender contra formas crescentemente racionalizadas de dominação. Neste sentido as ciências sociais desempenham um papel importante, pois são, segundo Bourdieu, as únicas capazes de desmascarar e de fazer frente às estratégias de dominação inteiramente inéditas para as quais contribuem por vezes como nutrientes e fontes de inspiração. Afirma que elas deverão escolher entre dois partidos: posicionar seus instrumentos racionais de conhecimento a serviço de uma dominação cada vez mais racionalizada, ou, então, analisar racionalmente a dominação, em especial a contribuição do conhecimento racional para a monopolização de fato dos ganhos da razão universal.

Bourdieu finaliza seu curto artigo afirmando que a consciência e o conhecimento das condições sociais dessa espécie de escândalo lógico e político que vem a ser a monopolização do universal sinalizam os fins e os meios de uma luta política permanente em prol da universalização das condições de acesso ao universal.

No capítulo V do livro Bourdieu analisa a violência simbólica e as lutas políticas, com destaque para o artigo sobre o poder simbólico. Após uma breve introdução, o autor inicia o capítulo com o artigo “Libido e illusio” onde diz que os novatos trazem consigo disposições previamente constituídas no interior do grupo familiar socialmente situado às exigências expressas ou tácitas de campo. Afirma que somente por meio de toda uma série de transações insensíveis tais disposições se transformam aos poucos em disposições específicas.

Mais à frente Bourdieu observa que a forma originária da illusio é o investimento no espaço doméstico, lugar de um processo complexo de socialização do sexual e de sexualização do social. Afirma, então, que a sociologia e a psicologia deveriam juntar esforços no intuito de analisar a gênese do investimento num campo de relações sociais no qual a criança se encontra cada vez mais envolvida, e que constitui tanto o paradigma como o princípio do investimento no jogo social.

Detecta que a raiz antropológica da ambigüidade do capital simbólico seria o princípio de uma busca egoísta das satisfações do “amor-próprio” que é a procura fascinada pela aprovação de outrem, como a busca da glória e da honra, por exemplo. Para Bourdieu, o capital simbólico assegura formas de dominação, que envolvem a dependência perante os que ele permite dominar.

No artigo seguinte, denominado “Uma coerção pelo corpo”, Bourdieu comenta que a análise da aprendizagem e da aquisição de disposições conduz ao princípio propriamente histórico da ordem política e complementa dizendo que a força simbólica constitui uma forma de poder que se exerce sobre os corpos, diretamente, e como que por encanto, a despeito de qualquer constrição física e que ela deriva suas condições de possibilidade do imenso trabalho prévio que se torna necessário a fim de operar uma transformação durável dos corpos e produzir as disposições permanentes despertadas e reativizadas pela ação simbólica.

Para Bourdieu, o habitus é a energia potencial, a força dormente, de onde a violência simbólica extrai sua misteriosa eficácia. A eficácia das necessidades externas se apóia na eficácia de uma necessidade interna e as disposições constituem o verdadeiro princípio dos atos práticos de conhecimento e de reconhecimento da fronteira mágica entre dominantes e dominados, atos desencadeados pela magia do poder simbólico, atuantes como um gatilho.

Esclarece que a violência simbólica é essa coerção que se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceber ao dominante (portanto, à dominação), quando dispõe apenas de instrumentos de conhecimento partilhados entre si e que fazem surgir essa relação como natural, pelo fato de ser a forma incorporada da estrutura da relação de dominação.

O efeito da dominação simbólica se exerce na obscuridade das disposições do habitus, em que estão inscritos os esquemas de percepção, de apreciação e de ação que fundam uma relação de conhecimento e de reconhecimento, ambos práticos, mas profundamente obscura para si mesma.

No seu artigo seguinte denominado “O poder simbólico”, Bourdieu afirma que mesmo quando repousa sobre a força nua e crua, a das armas ou a do dinheiro, a dominação possui sempre uma dimensão simbólica. Acrescenta que, por sua vez, os atos de submissão, de obediência, são atos de conhecimento e de reconhecimento os quais mobilizam estruturas cognitivas suscetíveis de serem aplicadas a todas as coisas do mundo e, em particular, às estruturas sociais.

A teoria do conhecimento do mundo social é uma dimensão fundamental da teoria política. Mais à frente afirma que em nossas sociedades, o Estado contribui, em medida determinante, para a produção e reprodução dos instrumentos de construção da realidade social, onde ele exerce em bases permanentes uma ação formadora de disposições duráveis, por meio de todas as constrições e disciplinas a que submete uniformemente o conjunto dos agentes.

A construção do Estado se faz acompanhar pela construção de uma espécie de transcendental histórico comum que se torna imanente a todos os seus “sujeitos”, ao cabo de um longo processo de incorporação. Mediante o enquadramento imposto às práticas, o Estado institui e inculca formas simbólicas comuns de pensamento, contextos sociais da percepção, do entendimento ou da memória, formas estatais de classificação.

Com isso, o Estado cria as condições de uma orquestração imediata dos habitus que constitui, por sua vez, o fundamento de um consenso sobre esse conjunto de evidências partilhadas, capazes de conformar o senso comum.

Finalmente, no último capítulo de número VI, Bourdieu fecha brilhantemente o seu livro com o artigo denominado “O capital simbólico”, onde afirma que, dentre todas as distribuições, uma das mais desiguais e mais cruéis é a repartição do capital simbólico, ou seja, da importância social e das razões de viver. Mostra que na hierarquia das dignidades e indignidades, quando comparada à hierarquia das riquezas e dos poderes, contrapõe-se ao pária estigmatizado, que servem de exemplo o judeu, o negro dos guetos e o árabe ou o turco dos subúrbios operários das cidades européias. Estes carregam a maldição de um capital simbólico negativo.

Ele afirma que não existe pior privação do que a dos derrotados na luta simbólica pelo reconhecimento, pelo acesso a um ser social socialmente reconhecido.

Mostra que todo tipo de capital (econômico, cultural, social) tende a funcionar como capital simbólico quando alcança um reconhecimento explícito ou prático, o de um habitus estruturado segundo as mesmas estruturas do espaço em que foi engendrado.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (06/07/2013)

Classes e conflito social em Marx

Depois de uma pausa nos textos sociológicos, marcado pela publicação de um poema de minha autoria, sigo com minha contribuição ao site “Vivendocidade” abordando um importante tema do pensamento sociológico. Refiro-me aos conceitos de classes, que são centrais no desenvolvimento da sociologia, e um importante impulso foi dado por Karl Marx em sua obra clássica. De acordo com Ralph Miliband em seu artigo “Análise de classes” o ponto de partida da análise de classes no marxismo foi a famosa passagem do Manifesto Comunista na qual Marx e Engels declaram que “a história de toda a sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes”.

Pensando em termos dos conflitos vê-se de imediato que nessa concepção a análise de classes é, com efeito, uma análise da luta de classes, ou seja, é um modo de análise que procede da crença segundo a qual a luta de classes constitui o fato crucial da vida social desde o passado remoto até o presente. Para Miliband, Marx está preocupado com a base e os mecanismos dessa luta, com o caráter dos protagonistas, as formas que a luta assume, as razões das diferenças nessas formas de um período para outro em qualquer sociedade e entre sociedades, entre outros fatores.

Nessa visão os protagonistas da luta de classes são, de um lado, os proprietários dos meios de produção e, de outro, os produtores e esses protagonistas estão engalfinhados num conflito que é eminente, “estruturalmente” determinado e implícito em sua respectiva localização no processo de produção. Os proprietários (burgueses) são inelutavelmente levados a tentar extrair a quantidade máxima de mais-valia que é possível extrair dos produtores (proletariado) nas condições históricas dadas, enquanto os produtores são similarmente levados a tentar minimizar essa quantidade e a produzir sob as condições menos onerosas possíveis.

A relação entre proprietários e produtores é uma relação de exploração que num sentido técnico denota a apropriação da mais-valia e a alocação do produto excedente por pessoas sobre as quais os produtores têm pouco ou nenhum controle. A exploração não é um desenvolvimento peculiar do capitalismo e a questão da apropriação e da alocação da mais-valia é muito mais complicado do que essa formulação sugere.

Para Miliband a análise de classes está preocupada basicamente com um processo de dominação e de subordinação de classes, o que constitui uma condição essencial do processo de exploração e sempre foi o principal objetivo da dominação. Para Marx, a exploração é de crucial importância, mas é a dominação que a torna possível. Marx visava criar uma “sociedade verdadeiramente humana”, onde seriam abolidas as relações de dominação e coerção.

A obra central de Marx “O Capital”, segundo Miliband, bem que poderia ser chamada de um tratado acerca da dominação sob o modo de produção capitalista.

Uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de dominação: os meios de produção, onde o controle pode envolver a propriedade desses meios; os meios de administração e coerção do Estado; e os principais meios para estabelecer a comunicação e o consenso.

Nessa análise a importância da propriedade é fundamental na vida da sociedade capitalista. Ela é a principal fonte de poder administrativo nas empresas capitalistas de médio e pequeno porte, mas ela não é pré-requisito essencial para o controle das principais fontes de poder na sociedade capitalista, ou seja, o poder corporativo e o poder do Estado.

O próprio Estado é um extrator maior da mais-valia, tanto como empregador quanto como coletor de impostos. Ele é capaz de envolver-se no processo de extração em virtude de seu controle do poder estatal, sem ter nada a ver com a propriedade pessoal que intervém nesse processo. Para Miliband a tributação sempre foi e continua sendo um aspecto crucial nesse processo de extração de mais-valia e requer não a propriedade, mas o controle efetivo dos meios de administração e coerção.

Os elementos comerciais e profissionais da classe dominante compõem a burguesia das sociedades capitalistas avançadas da atualidade. Essa burguesia se distingue da elite do poder em virtude de não ter nada que possa ser chamado de seu poder. No entanto, ela faz parte da classe dominante porque seus membros exercem um grande poder em termos econômicos, sociais, políticos e culturais, não apenas na sociedade em geral, mas também em várias partes do Estado.

A classe dominante, como todas as outras, está longe de ser homogênea e divergências e choques muito pronunciados ocorrem constantemente entre diferentes segmentos dessa elite. Essa elite permanece suficientemente coesa para assegurar que seus objetivos comuns sejam eficazmente defendidos.

A outra seria a classe subordinada da sociedade capitalista e que compreende uma vasta maioria de sua população e cuja maior parte se compõe dos trabalhadores e seus dependentes. Ela é uma classe extremamente variada, diversa, dividida com base na ocupação, habilidade, gênero, raça, etnicidade, religião, ideologia, entre outras.

Essas divisões são de grande importância política e têm um peso muito grande na história das sociedades capitalistas, sem falar nos movimentos trabalhistas. O autor lembra que a classe operária como um todo tem aumentado com o passar dos anos.

A classe trabalhadora compõe-se atualmente de operários e de funcionários de escritório e seus dependentes e de uma variedade de homens e mulheres dedicadas a ocupações voltadas para os serviços e distribuição.

Entre os conflitos temos as lutas que assumem uma multiplicidade de formas e expressões, mas pode-se situá-los em duas categorias gerais. De um lado, a classe dominante (classe conservadora) que procura defender, manter e fortalecer a ordem social, e o faz em nome do interesse nacional, da liberdade, da democracia ou de que quer que seja. Do outro lado, a classe subordinada, ou pelo menos a minoria ativista dentro dela que está envolvida num processo permanente de pressão de baixo para cima. Pode ser exercida ou para modificar ou melhorar as condições nas quais a subordinação é vivenciada ou para erradicar por completo a subordinação. A primeira preocupa-se, sobretudo com as melhorias e reformas dentro da estrutura do capitalismo, e não procura ir além dessa estrutura. Já a segunda procura ultrapassar essa mesma estrutura, sendo portando revolucionária.

Segundo Miliband é a oposição e as lutas geradas por esses objetivos contraditórios descritos acima que constituem o fato crucial da vida social.

É importante destacar as maneira pelas quais as classes dominantes procuram usar o sistema político para seus próprios fins. A mais importante dessas instituições é o Estado, visto que ele desempenha um papel único e indispensável na defesa e no fortalecimento da ordem social e nenhuma outra instituição é capaz de intervir com a mesma eficácia na vida social. Isso ocorre por mais “não-intervencionista” que ele possa querer ser na vida econômica. Mesmo assim ele desempenha um papel crucial no âmbito dos conflitos e poderes na experiência social, nem que seja para atenuar os custos sociais da empresa capitalista.

O Estado é importante também porque ele é responsável pela previdência social e pelos serviços coletivos que servem também para assegurar a manutenção e a reprodução de uma força de trabalho eficiente e atenuam as queixas das pressões vindas de cima. Ele está profundamente envolvido na decisiva propaganda e na doutrinação e está encarregado do imenso aparato de coerção e repressão que está sendo operado na sociedade de classes. O Estado procura desempenhar um papel importante na manutenção da ordem social baseada na dominação e na exploração de classe.

A análise de classes está também preocupada com a crucial e incessante luta empreendida de cima para baixo com o objetivo de impor aos produtores as disciplinas que tornam possível a extração da mais-valia, processo que ocorre no ponto de produção e no local de trabalho, mas que depende também de toda uma série de condições sociais e políticas.

Quanto à pressão de baixo para cima, Marx acreditava que a classe trabalhadora deve inevitavelmente adotar as lutas pela modificação e melhoria das condições em que a subordinação e a exploração são vivenciadas e a luta pela abolição total da subordinação, onde Marx destaca a última.

Nessas lutas tem-se que destacar a influência da democracia capitalista sobre os movimentos trabalhistas. A democracia capitalista revelou-se um sistema extraordinariamente flexível, resistente e com poder de absorção, e desempenhou um papel fundamental na contenção e neutralização da pressão de baixo para cima.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (06/06/2013)