Noturno

Aparecendo sem aviso, a lua
Contra os picos evita se arranhar
E para o céu aos poucos escorrega,
assim como quem sabe o seu lugar.

De imediato, me diz meu coração:
“Adora-A, Virgem, Mãe, Musa, Cabeça
Digna de ver, mas Que há de construir-te
Ou destruir-te, conforme lhe apeteça.”

E então a minha mente, num reflexo:
“Não me dirás, presumo, que lhe doa
A esse montão estéril de crateras
Quem com quem dorme e quem a quem magoa.”

Nesta noite, tal como em muitas outras,
A mais óbvia franqueza vence a rixa,
A minha mente, dura, ousa admitir
Que ambos na força apostam sua ficha.

Dado aquilo em que ambos acreditam,
A Deusa tem, por certo, de partir,
E sua majestade é só a máscara
Que um dínamo sem rosto vem cobrir;

Mas nenhuma das minhas naturezas
Pode queixar-se se eu for rebaixado
A um reles funcionário cujo sonho
É vasto, sem escrúpulo, encrencado.

Supondo, entanto, que meu rosto é real
E não um mito ou máquina que visto,
Devia a lua assemelhar-se a x,
Com feições que eu de fato tenha visto,

Como as de meu vizinho, ou uma face –
Não um status, um sexo – como a sua,
Constante para mim, não me importando
Qual o valor que a x eu atribua;

Essa efusiva dama, porventura,
Que uns versos seus me veio aqui trazer;
Esse pobre que volta novamente
Em busca de um empréstimo qualquer;

Contraimagens, enfim, que balanceiam
Com o que nelas é falta de peso
Meu mundo, esse veículo privado
E os motores inúmeros do Estado.

W. H. Auden (York, Reino Unido, 21 de fevereiro de 1907 — Viena, Áustria, 29 de setembro de 1973). Tradução de Renato Suttana

Autor: ematosinho

Eduardo Matosinho é economista e sociólogo com bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem 60 anos e é casado com Luiza Maria da Silva Matosinho e com ela tem um filho de nome João Alexandre da Silva Matosinho. Trabalha atualmente na Galeria Pontes (https://www.galeriapontes.com.br/), onde já está há 17 anos.

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