Eu, que eu possa descansar em paz ─ Eu, que ainda estou vivo, digo,
Que eu possa ter paz no que tenho de vida.
Eu quero paz agora mesmo, enquanto ainda estou vivo.
Não quero esperar como aquele piedoso que almejava uma perna
do trono de ouro do Paraíso, quero uma cadeira de quatro pernas aqui mesmo,
uma cadeira simples de madeira. Quero o resto da minha paz agora.
Vivi minha vida em guerras de toda espécie: batalhas dentro e fora,
combate cara a cara, a cara sempre a minha mesmo,
minha cara de amante, minha cara de inimigo.
Guerras com velhas armas, paus e pedras, machado enferrujado, palavras,
rasgão de faca cega, amor e ódio,
e guerra com armas de último forno metralham, míssil, palavras, minas
terrestres explodindo, amor e ódio.
Não quero cumprir a profecia de meus pais de que vida é guerra.
Eu quero paz com todo meu corpo e em toda minha alma.
Descansem-me em paz.
Yehuda Amichai (Würzburg – Alemanha de Weimar, 1924 – Jerusalém – Israel, 2000) – Poeta e escritor israelense nascido na Alemanha, é o poeta israelense mais celebrado do século. Retirado da Revista Piauí | Edição 10, Julho 2007