Macunaíma, Maria,
Viajando por essas terras
Com os dois manos, encontrou
Uma cunhã tão formosa
Que era um pedaço de dia
Na noite do mato-virgem.
Macunaíma, Maria,
Gostou da moça bonita.
Porém ela era casada,
E jamais não procedia
Que nem as donas de agora,
Que vivem mais pelas ruas
Do que na casa em que moram;
Vivia só pro marido
E os filhos do seu amor,
Fiava, tecia o fio,
Pescava, e março chegado
Mexendo o corpo gostoso,
Ela fazia a colheita
Do milho da beira-rio.
Que bonita que ela é!… Bom.
Macunaíma, Maria,
Não pôde seguir, ficou.
Que havia de fazer!
Amar não é desrespeito,
Falou pra ela e ela se riu.
Então lhe subiu o peito
A escureza da paixão,
E o apaixonado cegou.
Pegou nela mas a moça
Possuía essa grande força
Que é a força de querer bem:
Forcejava que mais forceja,
Até deu nele! Não doeu.
Macunaíma, Maria,
Largou da moça.
Oh, meu Deus!
Como estava contrariado!
Pois um moço que ama então
Não tem direito de amar!
Tem, Maria, tem direito!
Te juro que tem direito!
Macunaíma fez bem!
O amor dele era tão nobre
Ver o do outro que casou.
Casar ; e uma circunstância
Que se dá, que não se dá
Porém amar é a constância,
Porta num, se abanca, e o pobre
Tem que lha matar a fome,
Dar cama pra ele dormir.
Macunaíma, Maria,
Era como eu brasileiro,
E em todas as moradias
Que se erguem no chão quentinho
Do nosso imenso Brasil,
Não tem uma que não tenha
Um quarto-de-hóspede pronto!
Pobre do Macunaíma,
Não tem culpa de penar!
Foi brasileiro, amor veio,
Ele teve que hospedar!
– Eu te amo, (que ele falava)
Moça linda! Você tem
Esse risco de urucum
Na beira do olhar somente
Pra não ver quem te quer bem!
Olhos de jaboticaba!
Colinho de cujubim!…
Te adoro como se adora
Com doçura e com paixão!
Maria… vamos embora!
(Que ele falava pra moça)
eu quero você pra mim!
Bom. O coitado, Maria,
De tanta contrariedade,
Pôs reparo que é impossível
Se ser feliz neste mundo,.
Em plena infelicidade…
Se vingou. Tinha ali perto
Dois cachos de bananeira.
Cortou deles… você sabe,
Os mangarás pendurados,
Que de tão arroxeados
Têm mesmo a cor da paixão.
Lá no Norte chamam isso
De “filhotes de banana”,
E a bananeira dá fruta
Uma vez, não dá mais não…
Macunaíma, Maria,
Pegou a moça arrancou
Os peitinhos emproados
Do colo de cujubim,
Pendurou no lugar deles
os filhotes da paixão.
Por isso essa moça dura,
De quem nós todos nascemos,
Tem o colo que nem de homem,
De achatado que ficou.
E hoje as donas são assim…
Adianta a lenda que a moça
Ficou feia… Não sei não…
Mário de Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945)