Bairros da cidade de São Paulo, uma homenagem

Dando seqüência a minha colaboração periódica ao site “Vivendocidade” resolvi contar um pouco das histórias e das peculiaridades de alguns bairros paulistanos me baseando em leituras que fiz de diversas publicações. Entre elas o documento “Índice de Bairros“, do Legislativo Municipal; o livro “São Paulo: 450 bairros, 450 anos”, do jornalista Levino Ponciano; o site da Prefeitura Municipal de São Paulo e a Wikipédia, a enciclopédia livre da internet.

Muitos fatos e curiosidades dos bairros paulistanos podem ser lembrados. Por exemplo, que parte do bairro do Bixiga pertencia, na segunda metade do século XVIII, a Antonio Bexiga, vítima de varíola, doença conhecida popularmente por bexiga. Foi assim que surgiu o nome de um dos bairros mais conhecidos de São Paulo. O Brás, por sua vez, teve início na chácara de José Brás, onde, no início do século XIX, foi pedida a edificação de uma capela em homenagem ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Essa chácara ficava à margem de uma estrada que levava à Penha, com um trecho do caminho conhecido como caminho do José Brás que, depois, passou a ser denominado rua do Brás, conhecida hoje como avenida Rangel Pestana.

Já a história do Bom Retiro é marcada pela chegada dos judeus foragidos da perseguição dos nazistas no final dos anos 30, com sua vinda se acentuando durante os duros anos da Segunda Grande Guerra. Foram eles os responsáveis pelo grande progresso do bairro, sendo pioneiros na venda em prestações em suas lojas de roupas. O bairro de Ermelino Matarazzo tem por peculiaridade aniversariar no Dia do Trabalho, onde é organizada a maior festa popular deste dia, ficando atrás somente das comemorações das centrais sindicais. O nome do bairro é uma homenagem ao neto do conde Francisco Matarazzo, proprietário das indústrias Matarazzo, que atraiu para São Paulo, na década de 40, milhares de brasileiros e imigrantes em busca de emprego.

O bairro do Jardim Brasil, no Distrito de Vila Medeiros, nasceu de uma das duas fazendas de um visionário, o aviador Eduardo Pacheco Chaves, a chamada Fazenda Guapira (de onde nasceram os bairros do Jaçanã, Parque Edú Chaves, Jardim Brasil e outros). A outra fazenda, hoje no município de Guarulhos, se chamava Fazenda Cumbica, e ficava no mesmo local onde abriga hoje um dos maiores aeroportos brasileiros. A escola de pilotagem de Eduardo, que funcionava no terreno da fazenda, chegou a abrigar um grande hangar para os aviões, e obteve reconhecimento da sociedade da época. Assumiu um grande financiamento junto ao Banco do Brasil para a construção do primeiro aeroporto paulista, mais devido às inúmeras dificuldades encontradas na época, o projeto não foi efetivado. Inspirou, no entanto, a construção do Aeroporto Campo de Marte, mais próximo da região central, e não sujeito às dificuldades encontradas na região de origem.

Por fim, conheci a história da Mooca, bairro fundado em 1556, quando os jesuítas construíram uma ponte sobre o rio Tamanduateí. Mooca, do tupi-guarani significa “faz casa”, é uma referência à história dos índios que exclamavam “Mooca!” ao verem os brancos construindo suas casas naquela região. De 1870 a 1890, chegaram os imigrantes, com destaque para os italianos que montaram as primeiras fábricas de massa na região.

Dos cerca de cem bairros pesquisados observei que as comemorações de seus aniversários concentram-se no mês de outubro, com 19 bairros aniversariando, em seguida vem os meses de maio e setembro, com 13 aniversários cada. O menor número de bairros aniversariantes aparece no mês de fevereiro, com apenas dois bairros em festa. Neste mês de março são cinco os bairros em que se comemora a sua fundação: Pacaembu, Pedreira, Jardim Maringá, Indianópolis e Saúde.

O Pacaembu é um bairro nobre e sua história remonta ao século XVI, quando a Sesmaria do Pacaembu foi doada aos jesuítas por Martim Afonso de Sousa que, na época, a subdividiam em Pacaembu de Cima, Pacaembu do Meio e Pacaembu de Baixo. Os religiosos resolveram catequizar os índios da região e para tanto estabeleceram-se em várias aldeias da região. Uma delas situava-se próxima de um riacho que sofria inundações freqüentes. Era o “paã-nga-he-nb-bu”, ou seja, Pacaembu, que em tupi-guarani significa “atoleiro” ou “terras alagadas”.

Como a maioria dos bairros paulistanos ele formou-se do loteamento de diversas propriedades rurais. Com o passar dos anos, o velho sítio do Pacaembu, antes isolado e coberto por vegetação, foi subdividido em pequenas chácaras que cultivavam em sua maioria o chá.

No ano de 1912 a empresa inglesa “City of São Paulo Improvements and Freehold Company Limited” adquiriu terrenos na cidade, e uma dessas áreas seria o futuro bairro do Pacaembu. Essa companhia anunciava a criação de bairros baseados nos princípios básicos da “garden-city” (cidade-jardim), causando alvoroço entre os paulistanos. Por estar em um vale, a “City” enfrentou diversos desafios, como o terreno acidentado e as dificuldades de logística e transportes, pois na época eram utilizados burros de carga.

As primeiras modificações na região foram a canalização do ribeirão Pacaembu, a formação da primeira via do bairro, a Avenida Pacaembu, além da drenagem e aterramento de grandes áreas. O bairro foi projetado de acordo com o modelo cidade-jardim, através de ruas de traçado sinuoso, grandes terrenos e áreas ajardinadas. Houve também melhorias em eletricidade, na rede de água e de esgoto.

Em 1935, a empresa inglesa doou ao poder público um terreno 75 mil m² para a construção do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (ou Pacaembu). Projetada pela Companhia Severo e Villares a obra foi concluída em 1938, sendo inaugurada em 27 de abril de 1940, com a presença do então presidente da República Getúlio Vargas, o qual foi recebido por estrondosa vaia pelos paulistas. Na época era o maior estádio da América Latina.

Possui uma população de perfil bairrista, representada pela “Associação Viva Pacaembu por São Paulo” e “Associação dos Moradores e Amigos do Pacaembu, Perdizes e Higienópolis”, que defendem os interesses de seus moradores. Estas ONGs já lutaram contra mudanças na resolução do tombamento histórico do bairro, construção de estabelecimentos educacionais, verticalização do bairro, poluição visual e eventos no estádio do Pacaembu.

De acordo com o jornalista Levino Ponciano em seu livro “São Paulo: 450 bairros, 450 anos” no dia 9 de março fará aniversário também o bairro de Pedreira, localizado no extremo da zona sul da cidade de São Paulo e às margens da Represa Billings. Com quase 128 mil habitantes esse bairro começou a se formar a mais de meio século atrás e teve seu nome inspirado nas imensas pedreiras que sempre existiram nas suas imediações. Ele tem como principal atrativo a Represa Billings, que foi construída em 1920 por um engenheiro americano de mesmo nome e possui um imenso reservatório com quase 10 bilhões de litros de água e com 127 km² de superfície. Faz divisa com a Cidade Ademar, cujo nome indica ser uma homenagem ao engenheiro responsável pelo loteamento do local, nos anos 50, quando o lugar era um grande descampado. No entanto outra versão diz que o nome vem do ex-governador Ademar de Barros, proprietário de uma grande fazenda na qual o bairro foi iniciado.

Já em 15 de março o Jardim Maringá faz aniversário. Localizado na zona leste da capital paulista ele tem a sua origem a partir de um loteamento de uma área muito extensa e que deu origem também a Vila Matilde. Quem implantou o loteamento que originou esse jardim foi Juvenal Ferreira, cunhado de Dona Escolástica Melchert da Fonseca – que era a proprietária da gleba original e que ia desde a Guaiaúna até a Fazenda do Carmo, conhecida hoje como Parque do Carmo.

Uma peculiaridade deste mês de março é que no mesmo dia 26 será comemorado o aniversário de dois importantes bairros, Indianópolis e Saúde, ambos localizados na zona sul. Conforme relata Levino Ponciano em seu livro sobre os bairros paulistanos, o primeiro localiza-se em uma região que pertencia, no fim do século XIX, a Joaquim Pedro Celestino e à Companhia Territorial Paulista e que foi loteada com a chegada do bonde a vapor que ia até Santo Amaro. Seu nome é uma homenagem à cidade norte-americana de Indianápolis. A sua história mostra que ele começou a crescer nos primeiros anos do século XX e em 26 de março de 1933 deu-se o início da construção da primeira igreja do bairro, a de Nossa Senhora Aparecida, ficando a data como marco de sua fundação. Já o bairro da Saúde era, nos primeiros tempos de São Paulo, apenas parte de um caminho onde os tropeiros faziam parada. Com o passar dos tempos foi construída a Capela de Santa Cruz, passando mais tarde a ser denominada paróquia de Nossa Senhora da Saúde, sendo que, em 1928, iniciou-se a construção de uma grande igreja no local. Um de seus marcos é o famoso Bosque da Saúde, iniciado no início do século XIX e freqüentado por muitos paulistanos. Seu desenvolvimento se consolidou na década de 1970, trazendo grandes edifícios e um comércio pujante.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (19/02/2012)

Gejo, O Maldito: Personagens

Gejo, O Maldito

Nascido na Bahia, ele ingressou no graffite, hip hop e stencil no meio dos anos 90 e popularizou o graffiti e o hip hop nas escolas públicas. Massificou o termo arte/ educação, participou das ONG’s mais relevantes de São Paulo; expôs em escolas, bibliotecas, museus, galerias e exposições nos Estados Unidos, Alemanha, Israel, Canadá, Bélgica, Cingapura e Itália. É criador da marca de “Hip Hop 9370”, editor da revista Arte na Ruas e criador do evento “Free Art Fest”. Atualmente é proprietário do ponto cultural Elo Perdido e da Free Art Agency, que é uma empresa de artistas brasileiros que realiza oficinas, palestras, presta assessoria para assuntos de Street Art, produz ações artístico-culturais para galerias, espaços culturais, ONGs, Estados e empresas. Suas obras refletem as relações humanas nas áreas das questões ambientais, sociais, educacionais, políticas com tons de humor e muitas vezes de críticas com denúncias sociais.

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Fotos de Sérgio Guerini

A contraposição entre magia e religião

O sociólogo francês de origem russa Georges Gurvitch (1894-1965) aborda na obra “A vocação atual da sociologia” o tema “A magia, a religião e o direito”. Inspirado na leitura desse texto vou tentar mostrar para os leitores do site “Vivendocidade” qual seria a contraposição entre magia e religião.

Na introdução desse trabalho o autor aponta que muitos estudiosos de várias áreas, como etnólogos, sociólogos, historiadores, juristas, filósofos e teólogos, participaram de uma maneira muito ativa na discussão do problema da relação entre a magia e a religião nas sociedades arcaicas, assim como o das repercussões sociais da magia.

No entanto, segundo ele, o problema central dessa discussão ainda não teria sido resolvido, ou seja, não se chegou a um acordo nem sobre a possibilidade de traçar uma linha de demarcação precisa entre magia e religião, nem sobre uma determinação da função específica da magia na vida social, muito menos sobre precisar as suas relações com a técnica, a ciência, a moral e o direito.

Gurvitch procura mostrar que a irredutibilidade maior ou menor da magia e da religião, geradas não só pela oposição de duas atitudes coletivas diferentes, mas também pela oposição de duas categorias fundamentais do pensamento dos arcaicos, que seriam o maná (que, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tem o sentido figurado de alimento espiritual de origem divina; o que consola a alma) e o sagrado, constitui um aspecto essencial do pluralismo e da complexidade das suas sociedades.

Ele aponta que qualquer tentativa para opor esses dois temas como elementos irredutíveis encontra três objeções prévias:

a) Como separar a magia da religião, quando na realidade elas estão imbricadas, contendo a maior parte das religiões conhecidas elementos de magia, tanto branca como negra;

b) Separar completamente a magia da religião não seria separar a magia dos estados de consciência coletiva, isto é, da sociedade cuja encarnação é a religião? e;

c) A oposição entre força sobrenatural transcendente (deus, totem) e força sobrenatural imanente (força mágica, maná) pressupõe que os arcaicos são geralmente capazes de distinguir entre o “sobrenatural” e o “natural”, assim como entre o “transcendente” e o “imanente”, pressuposições essas ingênuas e erradas, que lhe atribuem as nossas concepções atuais.

Quando aborda as “Conclusões gerais sobre as propriedades do maná e da magia” Gurvitch discute a oposição entre o maná e o sagrado, procurando resumir em nove tópicos os traços específicos do maná, que considera o conceito-chave da magia, na sua oposição com o sagrado e o divino, que considera, por sua vez, o conceito-chave da religião.

No primeiro tópico mostra que o maná é uma força sobrenatural difundida no mundo, afirmando-se como um poderoso ímã da emotividade e da vontade, ao mesmo tempo emotiva e individual. Em seguida, ele afirma que essa força age nas relações entre os seres do mesmo nível ontológico, ou seja, relativo à investigação teórica do ser, bem mais do que nas relações entre os seres superiores e inferiores. No tópico III esclarece que as duas características precedentes transformam a força sobrenatural, que se chama maná, em princípio, imanente aos seres entre os quais ela atua.

No tópico seguinte, Gurvitch aponta que o maná pode mesmo ser parcialmente criado por um esforço bem sucedido, permitindo o rito mágico tanto entrar em contato com o maná, como criá-lo. No tópico V mostra que o maná, sendo qualidade, substância, ação, potencial de eficácia, é, ao mesmo tempo e de modo indistinto, pessoal e impessoal. No VI aponta que o maná, enquanto força, é simultaneamente impessoal e pessoal; no entanto, pode ser, ou, sobretudo coletivo, ou, sobretudo individual, segundo os indivíduos de que emana. Afirma, então, que podemos distinguir, neste sentido, o maná do grupo e o maná do indivíduo.

No tópico VII ele mostra que o maná não é privilégio de uma casta especial de mágicos nem de confrarias secretas. Ele é uma espécie de energia vital imanente espalhada no mundo e agindo entre os seres do mesmo nível e todos os seres o possuem e o manejam um pouco. Por isso em todas as relações humanas, o maná desempenha o seu papel mesmo sem a intervenção de ritos mágicos especiais, onde os mágicos profissionais, brancos ou negros (feiticeiros) não passam de homens particularmente hábeis em atualizar o maná acessível a todos, e os clubes e as confrarias secretas não fazem mais do que encarnar e manejar o maná coletivo na sua pureza, à qual a submissão ao sagrado, tal como ela se produz no clã, não causou qualquer dano.

Já no tópico VIII, Gurvitch afirma que o maná não se identifica nem com a consciência (individual ou coletiva), nem com a alma, nem com o espírito, ainda menos com o sagrado ou o divino. Ele se afirma como independente na sua essência e pode penetrar qualquer elemento. Finalmente, no tópico IX ele mostra que o maná, pelas suas propriedades, nada tem a ver com o sagrado, o divino e a religião, sendo justamente uma força sobrenatural que não é sagrada, que não implica obediência e submissão e não traz a salvação; é uma força sobrenatural imanente, ao passo que o sagrado é uma força sobrenatural transcendente.

Outro aspecto importante que Gurvitch aborda nas “Conclusões gerais sobre as propriedades do maná e da magia” é a definição da magia e da religião. Afirma que resulta de todas as características precedentes que a magia e a religião são heterogêneas, tanto pelos seus conteúdos ou “obras”, como pelas atitudes que provocam nos sujeitos, coletivos ou individuais.

Esclarece que a base psico-social da magia é o desejo ilimitado de dominar o mundo por meio de manifestações, desejo esse acompanhado do receio de não saber suficientemente dominar as forças que se desencadeiam. Já a base psico-social da religião é a angústia irremediável, o sentimento de abandono e de fraqueza, de que o outro pólo é a esperança de salvação, somente trazida pela condescendência de uma força mais ou menos transcendente.

Para Gurvitch, a magia pode ser pública ou secreta, branca ou negra e não há paralelismo entre estas duas oposições, pois se toda magia negra é secreta, ao invés, a magia branca tanto pode ser pública como secreta, tanto coletiva como individual. Ele mostra que a religião, pelo contrário, é sempre coletiva no seu conteúdo (dogma revelado ao grupo), e, habitualmente também, no seu exercício (culto e ritos) e tem uma tendência muito nítida para ser exclusivamente pública.

Na sua visão, a magia favorece o desenvolvimento do individualismo de uma forma indireta, pois, em primeiro lugar a concorrência entre a magia e a religião pode contribuir para a pluralização dos grupos na sociedade arcaica e para a limitação do ascendente exercido sobre o clã pelas confrarias secretas, fazendo com que surja uma atmosfera mais favorável ao desenvolvimento do individualismo; e, em segundo lugar, a própria crença na autonomia, no poder manipulador da vontade humana coletiva ou individual, favorece indiretamente, no indivíduo, o sentimento de si próprio e a sua libertação parcial da dominação do conjunto.

Gurvitch conclui a definição de magia e de religião afirmando que assim combinada com fatores econômicos e políticos, a magia torna-se um fator de maior diferenciação dos indivíduos na sociedade arcaica, diferenciação essa que favorece o pluralismo dos grupos provocado pela concorrência entre religião e magia.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (31/01/2012)

Proibido dar palmada nas crianças: agora querem intervir no cotidiano da casa

Pensando nas coisas que acontecem no dia a dia de uma família nos deparamos com a recente Lei da Palmada (Projeto de Lei 7672/10) aprovada em Comissão Especial da Câmara em 14 de dezembro do ano passado. Polêmica na certa, essa lei afetará o cotidiano da casa. Fica uma questão: como analisá-la à luz da Sociologia? Pensei logo de cara na Sociologia da Vida Cotidiana, tão difundida pelo filósofo marxista e sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991). Comentarei, então, essa lei e assim retomarei, nesse desabrochar de 2012, minha contribuição periódica ao site “Vivendocidade”.

Esse ramo da Sociologia trata da possibilidade de investigação e analisa o discurso a respeito do cotidiano visto como uma manifestação do real e da realidade da vida. Tal possibilidade é vista por ela de diversos ângulos e as relações de família estão, com certeza, englobadas neles. Nessas relações tem um papel central o poder dos pais em intervir na educação dos filhos pequenos, usando vários métodos, entre eles a palmada. Desde antanho ela é empregada no sentido corretivo, mais contemporaneamente vem perdendo espaço para uma educação mais liberal, que procura privilegiar o diálogo na repreensão dos deslizes da criança. A novidade é que agora o legislador resolveu agir, embalado por uma ação do Poder Executivo. E, mais uma vez, para criar uma lei que, como tantas, não vai ser respeitada e nem adotada na prática. Além do mais surge uma questão importante: como fiscalizar? Pensemos…

Essa lei prevê punições aos pais que baterem em seus filhos, proíbe e estabelece sanções para castigos físicos aplicados por eles contra as crianças. Ela estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante. Sujeita os pais infratores a penas socioeducativas que vão até ao afastamento dos filhos e especifica que as crianças e os adolescentes devem ser protegidos do castigo físico, em que haja o uso da força e resulte em sofrimento e lesão para eles. Ela quer substituir a popular palmada educativa pelo elogiado diálogo entre pais e filhos.

Se aprovada em plenário neste ano ela obrigará os pais a aprenderem a educar os filhos sem violência. Esse projeto proibirá qualquer castigo físico contra crianças e adolescentes e o seu texto com certeza alterará o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90), que atualmente não deixa claro quais são as restrições quanto aos maus tratos realizados pelos pais.

Visto no prisma teórico de Lefebvre a educação e os processos pedagógicos só aceitam críticas pedagógicas feitas a posteriori. Ele evidencia que “os métodos e a matéria ensinada” reduzem o aluno à passividade, habituando-o a trabalhar sem prazer, destacando os métodos, os locais e a arrumação do espaço. Afirma que “o espaço pedagógico é repressivo, mas esta “estrutura” tem um significado mais vasto do que a repressão local: o saber imposto, “engolido” pelos alunos e “vomitado” nos exames, corresponde à divisão do trabalho na sociedade burguesa, serve-lhe, portanto, de suporte”. Esta análise “da forma e da transmissão passa ao largo de um problema central, o conteúdo do saber e do seu lugar na divisão do trabalho”. Partindo da teoria produzida por Lefebvre, seria necessário verificar como se produzem e re-produzem as relações sociais no processo educativo. No cotidiano da casa não é diferente. Vamos aguardar…

Nesses tempos em que vivemos não podemos esquecer da importância que mídias de massa, como a televisão, e eletrônicas, como a internet, passaram a ter nesse processo e de como podem atuar na mudança do comportamento da população. Com isso tudo espera-se educar os pais para que se conscientizem na hora em que forem agredir os filhos e passem a buscar de um diálogo sempre possível e até mais pedagógico.

No meu entender, para educar as crianças continua sendo necessário algum tipo de punição ao filho infrator. Essa tarefa não pode ficar somente nas mãos da escola. A decisão de reprimir deve ser dos pais. É claro que existem excessos e estes devem ser controlados. Quanto à violência empregada nesse ato, onde entra a tal da palmada corretiva, cabe à consciência de cada pai ou mãe decidir como agir e ao bom senso no seu uso. Agora no tocante à ação do legislador ao tentar controlar esse ato tão doméstico e familiar resta-nos questionar tanto a sua eficácia quanto o poder de controle e de fiscalização por parte do Estado. Imagino que será mais uma medida, como tantas, ineficaz. Promulgar uma lei para vigiar e punir os pais (mexa-se Michel Foucault!) em seu suposto ímpeto de violência e agressão contra as crianças será a melhor solução?

Colaboração de Carlos Correa Filho.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (10/01/2012)

Marinaldo Santos: Ela com CD

Marinaldo Santos nasceu em Belém do Pará, em 1961. Artista plástico e admirador da vida. É também pintor e desenhista autodidata. Em 1987 começou a realizar exposições individuais e coletivas, participando de mostras em todo o país e no exterior (Alemanha, Estados Unidos, Holanda, França). Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Grande Prêmio do Salão de Artes do Pará.

Contatos:
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marinaldo.artes@hotmail.com
WhatsApp: (91) 9 9145 5415
marinaldoartes.wixsite.com/marinaldoartes

Foto de Sérgio Guerini

Digressões sobre o pensamento marxista

Vez ou outra me perguntam sobre política, onde a teoria marxista ocupa uma posição central. Dúvidas sobre esse assunto são muito comuns. E sempre surgem questionamentos, confusões e mitos. Com o objetivo de esclarecer o leitor sobre essa forma de pensamento refletirei um pouco sobre ela analisando a sua teoria mais geral. Uma coisa é certa: o marxismo nunca perderá a sua atualidade, por mais que se fale mal do socialismo real. Na faculdade pude compreender que este pensamento – dito clássico – surgiu num contexto histórico de uma dupla revolução (Revolução Industrial e Revolução Francesa), sendo a “modernidade” a forma mais geral resultante desta. Assim seguimos contribuindo com o site “Vivendocidade”.

Na concepção marxista de sociedade não há uma separação rígida entre natureza e sociedade e sim uma relação dialética entre ambas. Entre os princípios da dialética, como método de pensar, incluem-se alguns conceitos como: “Nada existe separadamente”; “Tudo está em permanente processo de transformação” e que “O motor da mudança é a luta de contrários”.

O pensamento marxista tem como fontes principais na sua construção a dialética de Hegel, o materialismo de Feuerback, o socialismo utópico desenvolvido na França (Proudhon, Saint-Simon, Fourier) e na Inglaterra (Owen) e a economia política clássica (Adam Smith e David Ricardo) e vulgar (John Stuart Mill, Benthan, Sismon).

A obra escrita em conjunto por Marx e Engels e intitulada “A Ideologia Alemã” foi um marco no pensamento marxista. Nela são definidas os princípios básicos da dialética materialista e é feita uma crítica a Feuerback, que limitou sua crítica a Hegel (“dialética idealista”) ao aspecto religioso, não a estendendo à economia, política e sociedade, como a concepção inicial desse autor (baseado na concepção do Estado). Dos socialistas utópicos, os marxistas extraem o conceito de luta de classes (“motor” da transformação). Neste livro são elaborados dois outros conceitos-chave na obra marxista. O conceito de trabalho, pensado em termos da economia política, e o conceito de alienação, inspirado em Hegel e Feuerback.

O ponto de partida da análise de classes no marxismo foi a famosa passagem do “Manifesto Comunista” na qual Marx e Engels declaram que “a história de toda a sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes”, mais a obra central de Marx é o livro “O Capital”, um tratado acerca da dominação sob o modo de produção capitalista e vários conceitos importantes surgem na sua leitura.

Pensando em termos dos conflitos vê-se que nessa concepção a análise de classes é uma análise da luta de classes, ou seja, é um modo de análise que procede da crença segundo a qual a luta de classes constitui o fato crucial da vida social desde o passado remoto até o presente.

Nessa visão os protagonistas da luta de classes são, de um lado, os proprietários dos meios de produção e, de outro, os produtores e esses contrários estão engalfinhados num conflito que é eminente, “estruturalmente” determinado e implícito em sua respectiva localização no processo de produção. Os proprietários (burgueses) são inelutavelmente levados a tentar extrair a quantidade máxima de mais-valia que é possível extrair dos produtores (proletariado) nas condições históricas dadas, enquanto os produtores são similarmente levados a tentar minimizar essa quantidade e a produzir sob as condições menos onerosas possíveis.

A relação entre proprietários e produtores é uma relação de exploração que num sentido técnico denota a apropriação da mais-valia e a alocação do produto excedente por pessoas sobre as quais os produtores têm pouco ou nenhum controle. A exploração não é um desenvolvimento peculiar do capitalismo e a questão da apropriação e da alocação da mais-valia é muito mais complicado do que essa formulação sugere.

A análise de classes está preocupada basicamente com um processo de dominação e de subordinação de classes, o que constitui uma condição essencial do processo de exploração e sempre foi o principal objetivo da dominação. Para Marx, a exploração é de crucial importância, mas é a dominação que a torna possível. Marx visava criar uma “sociedade verdadeiramente humana”, onde seriam abolidas as relações de dominação e coerção.

Uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de dominação: os meios de produção, onde o controle pode envolver a propriedade desses meios; os meios de administração e coerção do Estado; e os principais meios para estabelecer a comunicação e o consenso. (estrutura de dominação).

Nessa análise a importância da propriedade é fundamental na vida da sociedade capitalista. Ela é a principal fonte de poder administrativo nas empresas capitalistas de médio e pequeno porte, mas ela não é pré-requisito essencial para o controle das principais fontes de poder na sociedade capitalista, ou seja, o poder corporativo e o poder do Estado.

O próprio Estado é um extrator maior da mais-valia, tanto como empregador quanto como coletor de impostos. Ele é capaz de envolver-se no processo de extração em virtude de seu controle do poder estatal, sem ter nada a ver com a propriedade pessoal que intervém nesse processo.

Os elementos comerciais e profissionais da classe dominante compõem a burguesia das sociedades capitalistas avançadas da atualidade. Essa burguesia se distingue da elite do poder em virtude de não ter nada que possa ser chamado de seu poder. No entanto, ela faz parte da classe dominante porque seus membros exercem um grande poder em termos econômicos, sociais, políticos e culturais, não apenas na sociedade em geral, mas também em várias partes do Estado.

A classe dominante, como todas as outras, está longe de ser homogênea e divergências e choques muito pronunciados ocorrem constantemente entre diferentes segmentos dessa elite. Ela permanece suficientemente coesa para assegurar que seus objetivos comuns sejam eficazmente defendidos.

A outra seria a classe subordinada da sociedade capitalista e que compreende uma vasta maioria de sua população e cuja maior parte se compõe dos trabalhadores e seus dependentes. Ela é uma classe extremamente variada, diversa, dividida com base na ocupação, habilidade, gênero, raça, etnicidade, religião, ideologia, entre outras.

Essas divisões são de grande importância política e têm um peso muito grande na história das sociedades capitalistas, sem falar nos movimentos trabalhistas. A classe operária como um todo tem aumentado com o passar dos anos.

A classe trabalhadora compõe-se atualmente de operários e de funcionários de escritório e seus dependentes e de uma variedade de homens e mulheres dedicadas a ocupações voltadas para os serviços e distribuição.

Entre os conflitos temos as lutas que assumem uma multiplicidade de formas e expressões, mas pode-se situá-los em duas categorias gerais. De um lado, a classe dominante (classe conservadora) que procura defender, manter e fortalecer a ordem social, e o faz em nome do interesse nacional, da liberdade, da democracia ou de que quer que seja. Do outro lado, a classe subordinada, ou pelo menos a minoria ativista dentro dela, que está envolvida num processo permanente de pressão de baixo para cima. Pode ser exercida ou para modificar ou melhorar as condições nas quais a subordinação é vivenciada ou para erradicar por completo a subordinação. A primeira preocupa-se, sobretudo com as melhorias e reformas dentro da estrutura do capitalismo, e não procura ir além dessa estrutura. Já a segunda procura ultrapassar essa mesma estrutura, sendo portando revolucionária.

É a oposição e as lutas geradas por esses objetivos contraditórios descritos acima que constituem o fato crucial da vida social.

É importante destacar as maneira pelas quais as classes dominantes procuram usar o sistema político para seus próprios fins. A mais importante dessas instituições é o Estado, visto que ele desempenha um papel único e indispensável na defesa e no fortalecimento da ordem social e nenhuma outra instituição é capaz de intervir com a mesma eficácia na vida social. Isso ocorre por mais “não-intervencionista” que ele possa querer ser na vida econômica. Mesmo assim ele desempenha um papel crucial no âmbito dos conflitos e poderes na experiência social, nem que seja para atenuar os custos sociais da empresa capitalista.

O Estado é importante também porque ele é responsável pela previdência social e pelos serviços coletivos que servem também para assegurar a manutenção e a reprodução de uma força de trabalho eficiente e atenuam as queixas das pressões vindas de cima. Ele está profundamente envolvido na decisiva propaganda e na doutrinação e está encarregado do imenso aparato de coerção e repressão que está sendo operado na sociedade de classes. O Estado procura desempenhar um papel importante na manutenção da ordem social baseada na dominação e na exploração de classe.

A análise de classes está também preocupada com a crucial e incessante luta empreendida de cima para baixo com o objetivo de impor aos produtores as disciplinas que tornam possível a extração da mais-valia, processo que ocorre no ponto de produção e no local de trabalho, mas que depende também de toda uma série de condições sociais e políticas.

Quanto à pressão de baixo para cima, Marx acreditava que a classe trabalhadora deve inevitavelmente adotar as lutas pela modificação e melhoria das condições em que a subordinação e a exploração são vivenciadas e a luta pela abolição total da subordinação, onde Marx destaca a última.

Nessas lutas tem-se que destacar a influência da democracia capitalista sobre os movimentos trabalhistas. A democracia capitalista revelou-se um sistema extraordinariamente flexível, resistente e com poder de absorção, e desempenhou um papel fundamental na contenção e neutralização da pressão de baixo para cima.

Pensando em termos das linhas constitutivas de uma “teoria sociológica” marxista, temos outro marco: a situação da classe trabalhadora da Inglaterra, escrita por Engels. Este é um livro clássico pela abrangência com que a pesquisa empírica se articula com a matriz teórica; onde o enquadramento teórico orienta a seleção e análise factual e como esta, dialeticamente tratada, incide na correção daquele (enquadramento teórico). Ele descreve com detalhes toda a exploração da mão-de-obra inglesa, inclusive a de crianças, e as péssimas condições de trabalho e as longas jornadas de trabalho.

Resgato hoje esse tema com o intuito de mostrar como esse pensamento ainda é atual, pois analisa o capitalismo em sua essência, e de como ele é interessante para se estudar e para se aprofundar.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (07/12/2011)

Livros de Edna Matosinho de Pontes e parcerias

Arte Popular
O livro “Arte Popular” – vol. 2 foi lançado pela Galeria Pontes em parceria com a Editora Décor. Trata-se de um livro bilíngue que apresenta as obras e as biografias dos principais artistas populares brasileiros. Muito bem editado, com fotos de alta qualidade e composto 99% com obras do acervo de nossa galeria. Introdução de Olívio Tavares de Araújo.
Preço: R$ 250,00

Eu me ensinei – Narrativas da criatividade popular brasileira
Em “Eu me ensinei”, os artistas são todos autodidatas, mestres de um saber primoroso e intuitivo. A mais pura arte popular brasileira. Escrito com base em mais de cem entrevistas com artistas populares feitas ao longo de anos.
Preço: R$ 300,00

A xilogravura popular: Xilógrafos e poetas de cordel (Feito em parceria com Fabio Magalhães)
“A Xilogravura Popular – Xilógrafos e Poetas de Cordel”, reúne um expressivo conjunto de xilogravuras criadas por artistas populares ligados ao Cordel. A profusão temática reunida na exposição realizada no Museu Nacional da República, em Brasília (novembro de 2018 – fevereiro de 2019) e aqui reproduzida, revela a extraordinária riqueza do imaginário popular do sertão nordestino. Há, também, obras de artistas plásticos que, embora não façam parte da denominada arte popular, produziram xilogravuras com linguagens de ‘parentesco’ com o Cordel. A maioria das gravuras expostas, apesar de retratar histórias criadas por poetas populares e apresentar personagens e alegorias vinculados aos folhetos de Cordel, foi feita para ser apreciada como obra de arte autônoma e não mais como ilustração dos folhetos.
Preço: R$ 150,00

Catálogo da Exposição “Entreolhares: Poéticas d’alma brasileira (Feito em parceria com Fabio Magalhães)
Com base na mostra “Entreolhares: Poéticas d’alma brasileira” a Galeria Pontes imprimiu esse catálogo. A exposição aconteceu de 18 de junho a 7 de agosto de 2016 no Museu Afro Brasil – Parque Ibirapuera – Portão 10 – São Paulo/ SP. Essa exposição foi voltada para a arte do povo brasileiro, e abarca um longo período, desde as décadas de 1940 e 1950 até a contemporaneidade. Procurou reunir um conjunto abrangente e diversificado da expressão autoral de criatividade popular, das carrancas do mestre Guarany e das cerâmicas do mestre Vitalino aos grandes mestres atuais, muitos deles ainda ativos nas diversas regiões do Brasil. Foram incluídos alguns artistas modernos e contemporâneos apenas para sinalizar e sublinhar poéticas que se nutrem do imaginário popular: Di Cavalcanti, Tarsila, Cícero Dias, Guignard, Volpi, Rubem Valentim, Cláudio Tozzi, Rubens Gerchman, Nelson Leirner, entre outros.
Preço: R$ 110,0

Esses livros podem ser adquiridos através da Galeria Pontes (galeria@galeriapontes.com.br, Fone: 11 3129-4218 ou WhatsApp: 11 9 9781-4370) ou, os três últimos livros, através do site da Livraria Martins Fontes (https://bit.ly/2xaAxek)

O Surgimento da sociologia nos Estados Unidos e a formação da Escola de Chicago

Para avançar a ciência social praticada no Brasil temos que entender como a sociologia evoluiu no mundo e nada melhor do que estabelecer um olhar no caminho adotado pelos americanos nesse campo. E lá acompanhar a contribuição fundamental da Escola de Chicago – afinal ela se tornou uma referência. A sociologia nos Estados Unidos surgiu com um caráter duplo, ou seja, como uma ciência prática voltada para a ação e para as reformas sociais e como uma ciência sistemática voltada para a explicação da realidade social global através de categorias gerais. Abordando esse assunto continuo minha contribuição ao site “Vivendocidade”.

A sociologia americana teve um início precoce, mais isolado. Em 1754 já era dada a primeira instrução sobre “Fins e Usos da Sociedade” no Colégio de Filadélfia e, 40 anos depois, em 1794, houve um curso de “Humanidades” no Colégio de Colúmbia, cujo catálogo se pareceu bastante com os das classes elementares de sociologia adotados um século mais tarde.

Nos EUA as ciências sociais avançaram bastante nas últimas décadas do século XIX até chegar ao apogeu na Escola de Sociologia de Chicago (1915-1940). O Departamento de Sociologia de Chicago começou a se projetar no início da década de 1910 e rapidamente tornou-se o seu principal centro de estudos e de investigação sociológica.

Na história da sociologia americana destacam-se seis “pais fundadores” que são: Willian Graham Sumner, Lester Frank Ward, Franklin Henry Giddings, Charles Horton Cooley, Edward Allworth Ross e Albion Woodbury Small.

Pode-se dividir o desenvolvimento da sociologia americana em cinco grandes fases: surgimento (introdução dos cursos de sociologia durante as duas últimas décadas do século XIX); difusão (entre 1900 e 1920, marcada pela criação da Sociedade Sociológica Americana); consolidação (entre 1920 e 1935, com a criação de linhas originais de pesquisa, ampliação do ensino e multiplicação de revistas especializadas); funcionalismo secundado pelo interacionismo simbólico e, finalmente, diversidade (marcado pelo movimento da “sociologia crítica” da década de 60, caracterizada por uma grande diversidade de orientações teórico-metodológicas).

O primeiro americano a organizar um material sociológico foi Robert Hamilton Bishop (1777-1855) ao dar, de 1834 a 1836, um curso na Universidade de Miami chamado “A Filosofia das Relações Sociais”.

Utilizando o termo híbrido “Ciência Social”, destaca-se a obra precursora de Henry Charles Carey (1793-1879) intitulada “The Principles of Social Science” (Os Princípios da Ciência Social), publicada em 1858-60 e influenciada pelo protecionista alemão Friedrich List. Dessa obra originou-se a “American Social Science Association” (Associação Americana da Ciência Social), que se organizou para promover um ponto de vista mais ou menos “sintético” da vida social e que tinha também uma forte tendência de reforma social.

O primeiro fundador foi William Graham Sumner (1840-1910) que foi influenciado pelas idéias de Herbert Spencer e que desenvolveu importante trabalho na Universidade de Yale, combinando o evolucionismo de Darwin, o “laissez-faire” e o pessimismo malthusiano com o ardor puritano, já que foi educado originalmente para o sacerdócio.

No outro extremo e influenciado diretamente pelo filósofo francês Auguste Comte temos Lester Frank Ward (1841-1913). Este pensador, quase autodidata, produziu até então o mais imponente e vasto sistema de sociologia de sua época, caracterizado por possuir um corpo de conhecimento científico-natural sem equivalentes até então nos Estados Unidos.

Em Colúmbia aparece o sociólogo Franklin Henry Giddings (1855-1931) por sua vasta erudição e por ter exercido grande influência tanto no estudo da sociologia como no espírito de seus alunos, que ocuparam com destaque a maioria dos lugares sociológicos do Leste americano. A sua influência mais importante na sociologia americana veio do seu primitivo interesse pela demografia e pelo uso da estatística.

Outro nome de destaque foi Charles Horton Cooley (1864-1929) que foi ligado à Universidade de Michigan e que centrou suas preocupações nos aspectos psíquicos da vida social, contribuindo muito para a psicossociologia em língua inglesa. Sua obra mostra que o eu e a sociedade são apenas dois aspectos da mesma coisa, na medida em que os seus são produtos sociais e a sociedade é o resultado de sua inter-relação orgânica e contínua.

Finalmente, temos a obra de Edward Alsworth Ross (1866-1951), que teve um importante papel no desenvolvimento da sociologia na Universidade de Wisconsin. Ele orientou muitos alunos que difundiram suas doutrinas e destacou-se inicialmente no campo da psicossociologia e, mais tarde, na análise e classificação dos processos sociais e nos problemas das transformações sociais e das relações internacionais.

A Universidade de Chicago foi fundada em 1890 e admitiu seus primeiros alunos em 1892, com o apoio dos Batistas e da filantropia capitalista, com destaque para o magnata do petróleo e dono da Standard Oil John Davison Rockefeller (1839-1937).

Albion Woodbury Small (1854-1926) foi o primeiro diretor do Departamento de Sociologia dessa Universidade e essa seção foi a primeira a ser fundada como unidade independente em todo o mundo.

A assim chamada Escola de Sociologia de Chicago teve um predomínio durante toda a terceira fase da sociologia americana, entre 1920 e 1935 (consolidação). Ela destaca-se pelas teorizações originais, pelas técnicas de pesquisa empíricas e pelos temas de investigação que introduzem. Oferecia ensino de graduação e de pós-graduação associado à pesquisa de alto padrão e numa perspectiva de prestação de serviços à comunidade.

Essa Escola marca uma virada no impacto que a investigação sociológica teve sobre a sociedade, estabelecendo claramente uma tradição intelectual na sociologia. Ela caracteriza-se por propor uma sociologia urbana, caracterizada por uma abordagem empírica que se propunha a estudar a sociedade em seu conjunto. Seus temas principais foram os problemas que enfrentava a cidade de Chicago e também o problema político e social da imigração e da assimilação dos imigrantes à sociedade americana. Deram destaque aos estudos sobre a criminalidade e a delinqüência.

Marcada inicialmente pela sociologia qualitativa, seus sociólogos fizeram importantes contribuições, desenvolvendo métodos originais de investigação, como a utilização científica de documentos pessoais (autobiografias, correspondência particular, diários e relatos), o trabalho de campo sistemático (a observação, a entrevista, o testemunho) e a exploração de diversas fontes documentais. Em Chicago, a sociologia quantitativa (entre 1930 e 1940) e que foi desenvolvida em paralelo à qualitativa veio a suplantá-la a partir da Segunda Guerra Mundial.

Além dos estudos da sociologia da estrutura urbana, de ecologia humana, das relações sociais, da psicologia social e da cultura urbanas, os temas de suas principais pesquisas giravam em torno dos grupos imigrantes na América, como os poloneses, os japoneses, checos, italianos, suecos, alemães, judeus e chineses; da dimensão da vida dos negros, incluindo a escravidão; da imprensa; da família e de aspetos desta, como juventude, formação da personalidade, desorganização familiar, mobilidade feminina, controle da natalidade, divórcio, padrões demográficos; das relações raciais, dos preconceitos, consciência de raça e assuntos teológicos. Entre seus temas encontram-se também as investigações sobre os movimentos sociais, as revoluções, os desvios e a marginalidade, o juizado de menores, os sistemas de castigo, as áreas de vício, o suicídio, a insanidade, as seitas proibidas e religiosas, o comportamento de massas e multidões, a opinião pública, a mídia, as expressões coletivas e a mudança cultural, os fatores econômicos e as instituições, como a companhia de trens de Chicago, a circulação de dinheiro no mercado, as greves; além de estudos específicos sobre algumas comunidades.

Entre os muitos sociólogos importantes na trajetória acadêmica da Escola de Sociologia de Chicago destacam-se Albion Woodbury Small, William Isaac Thomas, George Edgar Vincent, Robert Ezra Park e Ernest Watson Burgess.

Pode-se dizer que foi a partir dos anos 1920 e início dos 1930 que se deu origem ao desenvolvimento de um método de pesquisa nesta Escola. Nos primeiros tempos os estudiosos estavam simplesmente inventando métodos de pesquisa, pois isso era uma coisa que não existia. Depois os pesquisadores criaram métodos para si próprios, coletando autobiografias de camponeses, analisando as cartas desses atores sociais ou fazendo entrevistas. Até esse momento, os estudos das relações entre indivíduos e seu meio ambiente permaneciam abstratos. Foi a partir da incorporação de novas fontes primárias de pesquisa, como as cartas pessoais, as autobiografias, as histórias de vida, as monografias de bairros, entre outras, que se inova no conhecimento direto da realidade humana e social.

Essa escola deixou para trás a sociologia especulativa da época anterior a sua, sendo o berço de uma grande variedade de abordagens empíricas, inclusive a da observação participativa, que tem em comum o fato de se inserir em uma sociologia urbana prática e de ter inaugurado a indagação sociológica direta junto aos indivíduos.

Fica, então, esse registro histórico– e que sirva de referência para o desenvolvimento da sociologia no Brasil.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (24/11/2011)