Ao meu fidalgo amigo Fernando Pessoa
Nasci de um beijo ardente e criminoso:
Havia em quem o deu a ansiedade
Que têm os velhos, a mocidade
Fugia-lhe e com ela, a vida e gozo.
Em quem o recebeu, o voluptuoso
Enleio de donzela, e a ingenuidade
Do mistério sagrado nessa idade
Em que tudo sorri, tudo é formoso.
Um dia… a flor caiu e o zangão voou
E, do seu cálice eu nasci sozinho,
E assim fiquei, na terra, aonde estou
Abandonado e só sem ter um ninho
Sem ter ninguém, sem ter amor, quem sou?
Só o sêmen caído no caminho.
Raul Leal (Lisboa, 1 de setembro de 1886 – 18 de agosto de 1964). Foi um dos introdutores do futurismo em Portugal, publicando no segundo número da revista Orpheu