A pintora Clarice: Imagens que buscam a alma

Clarice pintava por necessidade. Para livrar-se da tensão. Não gostava de mostrar suas obras, mas acabou exibindo-as. Envio algumas frases dela sobre o ato de pintar e algumas pinturas feitas em 1975.

“Acho que o processo criador de um pintor e do escritor são da mesma fonte. O texto deve se exprimir através de imagens e as imagens são feitas de luz, cores, figuras, perspectivas, volumes, sensações.”

“Quero pintar uma tela branca. Como se faz? É a coisa mais difícil do mundo. A nudez. O número zero. Como atingi-los? Só chegando, suponho, ao núcleo último da pessoa.

 Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta. Eu sei, sei que é penoso. Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena?

 Se uma pessoa perguntar durante meia hora a palavra ‘eu’, essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais seguro não fazer jamais perguntas – porque nunca se atinge o âmago de uma resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta.

 O que é que eu sou?”

Em 28 de fevereiro de 1970, publicou uma crônica-testamento, na  qual legava a própria alma.

“Uma vez irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma desta vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos, com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria”…

Clarice Lispector (Tchetchelnik, Ucrânia, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977)

Federico Fellini: Nota sobre o seu filme “Amarcord”

“Toda grande arte é abstrata”
Jean Renoir

A cena final é a do casamento campal de Gradisca com um militar. Nela os garotos encenam o casamento de forma bonachona. O cego fica numa cadeira tocando a bela música de Nino Rota. São feitos discursos na mesa, desejando felicidades ao casal e tirados retratos. Tentam tirar uma foto no sol, mas começa a chover. Recitam poemas. Com a chuva, o pessoal começa a ir embora aos poucos. Os noivos também saem, após Gradisca atirar o buquê. Permanece o cego tocando e um menino enchendo o seu saco. Os garotos dão adeus aos noivos, correndo atrás do carro. Uma menina pega o buquê. Começam a se dispersar. O filme acaba com o garoto perturbando o músico e os “flocos” caindo. De primavera para primavera, Fellini mostra a eterna idéia de recomeçar, seja no tempo ou na vida, com a parábola da menina apanhando o buquê de flores da noiva. Um dia ela casará e as cenas de “Amarcord”, quem sabe, recomeçarão novamente.