Jogos Frutais (Trecho)

De fruta é tua textura
e assim concreta;
textura densa que a luz
não atravessa.
Sem transparência:
não de água clara, porém
de mel, intensa.

Intensa é tua textura
porém não cega;
sim de coisa que tem luz
própria, interna.
E tens idêntica
carnação de mel de cana
e luz morena.

Luminosos cristais
possuis internos
iguais aos do ar que o verão
usa em setembro.
E há em tua pele
o sol das frutas que o verão
traz no Nordeste.

É de fruta dó Nordeste
tua epiderme:
mesma carnação dourada.
solar e alegre.
Frutas crescidas
no Recife relavado
de suas brisas.

Das frutas do Recife.
de sua família.
tens a madeira tirante.
muito mais rica.
E o mesmo duro
motor animal que pulsa
igual que um pulso.

De fruta pernambucana
tenso animal,
frutas quase animais
e carne carnal.
Também aquelas
de mais certa medida,
melhor receita.

o teu encanto está
em tua medida,
de fruta pernambucana,
sempre concisa.
E teu segredo
em que por mais justo tens
corpo mais tenso.

Tens de uma fruta aquele
tamanho justo; .
não de todas. de fruta
de Pernambuco.
Mangas,mangabas
do Recife. que sabe
mais desenhá-las.
És um fruto medido.
bem desenhado;
diverso em tudo da jaca,
do jenipapo.
Não és aquosa
nem fruta que se derrama
vaga e sem forma.

Estás desenhada a lápis
de ponta fina.
tal como a cana-de-açúcar
que é pura linha.
E emerge exata .
da múltipla confusão
da própria palha.

És tão elegante quanto
um pé de cana,
despindo a perna nua
de dentre a palha.
E tens a perna
do mesmo metal sadio
da cana esbelta.

o mesmo metal da cana
tersa e brunida
possuis, e também do oiti,
que é pura fibra.
Porém profunda
tanta fibra desfaz-se
mucosa e úmida.

Da pitomba possuis.
a qualidade
mucosa, quando secreta,
de tua carne.
Também do ingá,
de musgo fresco ao dente
e ao polegar.

Não és uma fruta fruta
só para o dente,
nem és uma fruta flor,
olor somente.
Fruta completa:
para todos os sentidos,
para cama e mesa.

(…)

João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999). Em “Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta”. Livraria José Olympio Editora. 1976

Em comemoração aos 15 anos de meu trabalho na Galeria Pontes

Hoje, 23/05, estou completando 15 anos de Galeria Pontes. Na foto acima estou eu e minha esposa Luiza participando da exposição “Arte Sacra Popular” que aconteceu de 8 de junho a 14 de agosto de 2011, foi realizada no Museu de Arte Sacra de São Paulo, teve a curadoria de Edna Matosinho de Pontes e contou com 40 peças inspiradas na religiosidade. Essa foi uma das primeiras ações conjuntas da instituição com o segmento de arte popular. Foram mostradas peças em técnicas variadas como escultura em madeira, escultura em cerâmica, pintura e bordado. Foram apresentadas obras de vários artistas do acervo da Galeria Pontes: Adão, Antônio de Dedé, Antônio Poteiro, Artur Pereira, Bento, Costinha, Fé Córdula, Higino, João das Alagoas, José Antônio da Silva, José Bezerra, Maria do Socorro, Mestre Dezinho, Naninho, Odon Nogueira e Tota. A exposição foi enriquecida com peças do Museu de Arte Sacra: uma magnifica Via Sacra pintada por José Antônio da Silva e com pequenas esculturas do século XIX chamadas Paulistinhas pois eram feitas no Estado de São Paulo para o altar doméstico.

Com muito trabalho e dedicação comemoro com meus familiares, amigos e colaboradores esse expressiva data!

O poeta come amendoim

A Carlos Drummond de Andrade

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados…
Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.

Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer…

A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos…
Silêncio! O Imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre’m-deus-padres irmanava os homens de meu país…
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu…

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente inda não sabia se governar…
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade…
Será o que Nosso Senhor quiser!…

Estou com desejos de desastres…
Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na canjerana dos batentes…
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido
Tenho desejos de gemer e de morrer.

Brasil…
Mastigado na gostosura quente do amendoim…
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remelexo melado melancólico…
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons…
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois remurmuram sem malícia as rezas bem nascidas…

Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der…
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

1924

Mário de Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945), In “Clã do jabuti”, Literatura comentada, Nova Cultural, 1988

Crônica de uma morte anunciada

La caza de amor
Es de altanería

Gil Vicente

No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessara um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros. “Sempre sonhava com árvores”, disse sua mãe 27 anos depois, evocando os pormenores daquela segunda-feira ingrata.

Gabriel García Márquez (Aracataca, Colômbia, 6 de março de 1927 — Cidade do México, 17 de abril de 2014), In “Crônica de uma morte anunciada”, tradução de Remy Gorga, filho, Editora Record, 1981

A hora e vez de Augusto Matraga

“Eu sou pobre, pobre, pobre,
vou me embora, vou me embora…
(…)
Eu sou rica, rica, rica,
vou-me embora daqui!…”
(Cantiga Antiga)

“Sapo não pula por boniteza,
mais porém por persissão.”
(Provérbio Capiau)

Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Estêves. Augusto Estêves, filho do Coronel Afonsão Estêves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto — o homem — nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici.
(…)
— Mal em mim não veja, meu patrão Nhô Augusto, mas to dos no lugar estão falando que o senhor não possui mais nada, que perdeu suas fazendas e riquezas, e que vai ficar pobre, no já-já… E estão conversando, o Major mais outros grandes, querendo pegar o senhor à traição. Estão espalhando… — o senhor dê o perdão p’r’a minha boca que eu só falo o que é perciso — estão dizendo que o senhor nunca respeitou filha dos outros nem mulher casada, e mais que é que nem cobra má, que quem vê tem de matar por obrigação… Estou lhe contando p’ra modo de o senhor não querer facilitar. Carece de achar outros companheiros bons, p’ra o senhor não ir sozinho… Eu, não, porque sou medroso. Eu cá pouco presto… Mas, se o senhor mandar, também vou junto.
Mas Nhô Augusto se mordia, já no meio da sua missa, vermelho e feroz. Montou e galopou, teso para trás, rei na sela, enquanto o Quim Recadeiro ia lá dentro, caçar um gole d’água para beber. Assim.
Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Estêves, naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e passaria umas rodadas sem jogar fazendo umas férias na vida: viagem, mudança, ou qualquer coisa ensossa, para esperar o cumprimento do ditado: “Cada um tem seus seis meses…”

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, Minas Gerais, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), In “Sagarana”, Conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, Literatura comentada, Nova Cultural, 1988. Ilustração de Poty

Jerônimo Miranda: Rio são Miguel (Navegar é preciso!) e Renda-se, como eu me rendi (…) – Clarice Lispector

Luiz Jerônimo Camelo Cabral, mais conhecido com Jerônimo Miranda, o popular “Dr.”, nasceu no dia 26 de janeiro de 1961 na cidade de Atalaia, Alagoas. Filho de Jerônimo Lopes de Miranda Cabral e Fernanda Camelo Cabral. Estudou o primário e ginásio em sua terra natal. Em Satuba fez o curso técnico de agropecuária. Em Maceió, no CESMAC, o Curso de Educação Artística (1986 – incompleto). Iniciou-se na produção artística realizando arranjos florais, com pintura à mão.

Artista plástico, autodidata, pesquisador, colecionador e marchand. Reside na cidade de Maceió desde 1989, onde veio a experimentar diversas técnicas do fazer artístico, tendo se concentrado nos últimos anos na pintura e na tapeçaria. Executa tapeçaria cuidadosa, prescindindo nos mais diversos materiais, com a consciência daquilo que expressa, mas sem perder o vigor na espontaneidade com que se mistura elementos cotidianos como um espelho, miçangas, cacos de vidro e uma calça jeans bordados lado a lado. Formado em agropecuária onde aprendeu a amar e respeitar a natureza, fonte de suas inspirações. Viveu e conviveu com o povo, desenvolvendo o gosto apurado pela arte de raiz.

Pinta e borda… Seus estandartes estão expostos no Museu Afrobrasil em São Paulo sob a curadoria de Emanuel Araújo. Além de exposições individuais e coletivas em Alagoas e alguns estados do Brasil, como na Bienal Naïfs de Piracicaba por duas vezes. Expondo tanto a pintura, como sua tapeçaria. Expôs na Espanha por três vezes sob a curadoria de Emanuel Araújo e a Galeria Estação de São Paulo.

Exposição individuais: 1982: Casa de Cultura de Atalaia; 1987: Casa de Cultura de Atalaia; 1991: Shopping Iguatemi e Unique Decorações; 1992: Produban – Agência Farol e Maceió Mar Hotel; 1994: Galeria Karandash; 1996: Secretaria da Cultura ( SP); Casa de Cultura Tomás Antônio Gonzaga, Ouro Preto (MG). Coletivas: 1990: II Art Nor, Sebrae; 1991: Casa de Cultura de Atalaia; 1995: Galeria Karandash ; INFOL – Maceió, onde criou a marca do Congresso e Promoções; Viva O Nordeste do Brasil; 2000: Porto Seguro – 500 Anos do Brasil; 2002: Arte Popular. Coleção Tânia de Maia Pedrosa, Museu Théo Brandão.

Como pesquisador da arte do homem do povo, descobriu e propagou vários artistas alagoanos nas principais galerias e Museus que dizem respeito a vertente popular. Interagiu e trocou conhecimentos com grandes intelectuais da cultura popular do Brasil, como : Joseph Baccaro, Janete Costa, Carlos Augusto Lyra, Lurdinha Vasconcelos, Tânia Pedrosa, Roberto Rugiero, Vilma Eid, Edna Matosinho de Pontes, Angela Mascelani, Guy Van de Beuque, etc.

Ele tem um estandarte exposto na Coleção do Instituto Carlos Augusto Lira em Recife – PE sob a curadoria da Antropóloga do Museu do Homem do Nordeste Ciema Silva de Melo.

Ele escreve: “Sou atalaiense radicado em Maceió, desde 1989, quando fui bruscamente surpreendido pelo transborno das Águas do Rio Paraíba do Meio. Sou ribeirinha, transborno das águas do Rio Paraíba do meio da cidade de Atalaia das Alagoas do Nordeste do Brasil, sou mistura das lagoas Mundaú e Manguaba, desemboquei no Atlântico das Alagoas onde aqui na Bela Maceió, capital das Alagoas entre troncos e barrancos, mesmo remando contra as ondas finquei minhas raízes… Aqui fiz meu ninho, virei pássaro!!!

A vida é um mistério de Deus! Passado é aprendizagem, futuro não sei… Presente é o momento que podemos afirmar: estou aqui!
Vamos viver…

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