Mês: outubro 2024
Galeria Pontes – Olhar ensolarado
“A arte que os eruditos chamam de popular é bela porque é, simplesmente isso.
(…)
A Galeria Pontes é, em si mesma, ensolarada, um arco-íris. Um espaço de muita vitalidade. Energia que não para de brotar, porque a arte popular é germinal, isto é, plena de vida.”
Fabio Magalhães – Museólogo, crítico de arte e curador
Jogo de peteca
Arrojos
Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.
Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos “mignonnes” e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.
Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos nocturnos.
Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.
Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.
Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.
Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.
E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
Às mesas espelhentas do Martinho.
Cesário Verde (Lisboa, Madalena, 25 de fevereiro de 1855 — Lisboa, Lumiar, 19 de julho de 1886)
A dama de azul
O vento na ilha
O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.
Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.
Escuta como o vento
me chama calopando
para me levar para longe.
Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.
Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite
descansarei, amor meu.
Pablo Neruda (Parral, Chile, 12 de julho de 1904 — Santiago, Chile, 23 de setembro de 1973)
Fim do dia no sertão
10 frases do livro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa
“O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia…”
“O senhor ache e não ache. Tudo é e não é …”
“Passarinho que debruça – o voo já está pronto.”
“Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.”
“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”
“Deus é paciência. O contrário é o diabo.”
“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.”
“A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?”
“Quem-sabe, a gente criatura ainda tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do diá?”
“O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.”
João Guimarães Rosa (Cordisburgo, MG, 27 de junho de 1908 – Rio de Janeiro, RJ, 19 de novembro de 1967), In “Grande Sertão: Veredas”