O Medo

A Antonio Candido

“Porque há para todos nós um problema sério…
Este problema é o do medo.”
(Antonio Candido, Plataforma de Uma Geração)

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo…
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas

do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.

E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.

O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.

Carlos Drummond de Andrade (Itabira, Minas Gerais, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987). In “A Rosa do Povo”. José Olympio, 1945

Crônica de Fernando Pacheco Jordão: Primeiras trivelas

Não tem coisa mais burra que o futebol: 22 marmanjos de calção correndo atrás de uma bola e se abraçando quando ela entra dentro da rede. Os meninos vão ao campo, ouvem o jogo pelo rádio e assistem na TV. Parece que não pensam em outra coisa e são incapazes de inventar, criar outras brincadeiras. Esta, em resumo, a visão que muita gente tem do futebol. Será verdade? Quando eu era menino, não era assim. Não é para me gabar, mas eu mesmo consegui ser imaginativo e criativo com o futebol. Eu tinha um time de botão composto quase todo por craques inventados. E aqui quero falar do maior ponta-direita que já vi jogar, o polonês Jerszy Gamarek Velocíssimo. Chutava de longe, um especialista em bolas de meia distância, indefensáveis. Foi o primeiro jogador que vi chutar de trivela, termo que nem existia na época. Quanto à origem dele, desconheço-a. Sem desmerecê-lo, o nome também inventei, claro: era nada mais que a marca do vaso sanitário da minha casa lida de trás para a frente: Keramag – Gamarek. Talvez isso fizesse dele um ponta tão desconcertante.

Fernando Pacheco Jordão (1937 – 2017) faleceu em São Paulo aos 80 anos. Atuou no jornalismo desde 1957, quando iniciou sua carreira na antiga Rádio Nacional, em São Paulo. Posteriormente, trabalhou como repórter, redator e editor de diversos veículos, como O Estado de S. Paulo, TV Excelsior, BBC de Londres, TV Globo, TV Cultura de São Paulo, revistas IstoÉ e Veja. Como consultor e assessor político atuou nas campanhas dos governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin. Dirigente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo na época do assassinato de Vladimir Herzog, Fernando escreveu o livro “Dossiê Herzog – Prisão, Tortura e Morte no Brasil”, que já está na sexta edição e constitui documento fundamental para a História do Brasil. Foi sócio-diretor da FPJ – Fato, Pesquisa e Jornalismo. Hoje é patrono do “Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão”, realizado pelo Instituto Vladimir Herzog desde 2009 e que já está em sua 11ª edição.

Viva o Dia do Índio

Desenho de Daniel Gisé

Ele é quadrinhista, ilustrador e web designer.

Formado em Artes plásticas pela UNESP (2005). Estudou história em quadrinhos no Estúdio Pinheiros (1992-93) , desenho e pintura no ateliê do artista Valdir Sarubbi (1996-2000) e história da arte no ateliê de Rubens Matuck (1998).

Começou como ilustrador assistente no Studio Gizé de 1996 a 1998. Publicou ilustrações nas revistas Caros Amigos, Recreio e Aventuras na História. Colaborou com a revista de histórias em quadrinhos Sociedade Radioativa (1999-2008). Criou o site ‘thedoorscomics.com’ (2003) onde publicou histórias em quadrinhos de humor sobre a banda The Doors, sendo publicadas também como revista em formato de bolso em 2007. Em 2011 publicou a HQ ‘Desvio’ no livro ‘1001-1’ pela Editora Barba Negra / Leya. Desde 2009 ministra oficinas de histórias em quadrinhos e dá aulas de desenho.

Contatos:
https://www.facebook.com/daniel.gise
Instagram: @danielgise
danielgise@gmail.com

Bordados de Parísina Ribeiro: Cena mineira e Chica da Silva

Parísina Éris Ilíade Tameirão Ribeiro mora em Diamantina – MG é professora de Artes da rede estadual de Minas Gerais. Já atuou na cadeia têxtil em Brusque – SC com as empresas Colcci, Buetner, entre outras. É licenciada e pós-graduada em Artes Visuais, bacharel e pós-graduada em Administração de Empresas-Gestão Humana.

No Atelier Parísina Ribeiro leciona bordado livre, e desenvolve produtos artesanais em bordados, pinturas, crochê e acessórios de ATS bellydance.

Participa do cenário nacional e internacional com exposições coletivas e individuais em Arte Naïf e Têxtil além de ser conselheira de cultura.

Sua grande paixão são os temas Patrimônio Material e Imaterial, Arte Popular em especial as mineiras e as catarinenses.

Contatos:
www.facebook.com/parisina.ribeiro
www.instagram.com/ribeiroparisina
parisinaribeiro@hotmail.com

Desejo de felicidade

Que de menina
– No ciclo da vida –
Virou mulher
E madura optou

Hoje segue na batalha
Por um lugar ao sol,
Em meio às adversidades
E ao preconceito reinante

Sem temor conseguirá,
Porque tem fé e luta
Como uma genuína
Garota de escorpião

Seu signo falará mais alto
E as portas se abrirão
Em sendo coerente com sua meta
De buscar a felicidade sempre

Forjando a armadura

Nego submeter-me ao medo,
Que tira a alegria de minha liberdade,
Que não me deixa arriscar nada,
Que me torna pequeno e mesquinho,
Que me amarra,
Que não me deixa ser direto e franco,
Que me persegue,
Que ocupa negativamente a minha imaginação,
Que sempre pinta visões sombrias.

No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo. Eu quero viver, não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por medo de ser sincero.
Quero pisar firme porque estou seguro.
E não porque encobri meu medo.
E quando me calo, quero fazê-lo por amor.
E não por temer as consequências de minhas palavras.
Não quero acreditar em algo só por medo de acreditar.
Não quero filosofar por medo de que algo possa atingir-me de perto.
Não quero dobrar-me só porque tenho medo de não ser amável.
Não quero impor algo aos outros, pelo medo de que possam impor algo a mim.
Por medo de errar não quero tornar-me inativo.
Não quero fugir de volta para o velho, o inaceitável, por medo de não me sentir seguro no novo.
Não quero fazer-me de importante porque tenho medo de que senão poderia ser ignorado. Por convicção e amor quero fazer o que faço e deixar de fazer o que deixo de fazer.
Do medo quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor.
E quero crer no reino que existe em mim.

Rudolf Steiner (Kraljevec, fronteira austro-húngara, 27 de fevereiro de 1861 — Dornach, Suíça, 30 de março de 1925)

Fotos do Instagram tiradas pela amiga Fernanda Fonseca, que enviou também pelo WhatsApp esse belo poema