Pontas

De fininha que se percebe
A que cutuca
Quando encosta em nossa pele

Ponta pode ser de agulha
De estrepe ou de caco de vidro
Fagulha que entra e que sangra

No pé nos faz mancar
Andar meio de lado
Ficar de uma perna só

Na mão, nos faz chupar os dedos
No corpo, arrepiar,
Coçar e rir, ou chorar, se doer

A vida é assim:
Feita não só de mares de rosas
Mas de pontas de espinhos

No sentido de nossos caminhos
Se alternam não só as pedras,
Mas as farpas e as lascas:

Agudas de vida

Crônica de Fernando Pacheco Jordão: O pichador, o til e a vida

Escolheu um lugar complicado, a parede do túnel sob a Praça Roosevelt. Difícil e perigoso. Debruçou-se, metade do corpo para fora, latinha de spray na mão. Os colegas o seguraram pelos tornozelos e ele começou a escrever. De baixo subia um ruído assustador, como o rugido de um dragão. Era o trânsito pesado que o Minhocão despejava em direção à 23 de Maio e Zona Leste. Dragão, aliás, era o nome de sua gangue de Pichadores. Sentiu a cabeça e o corpo começando a pesar, puxando-o para baixo. Passou até um rabecão do IML, mais azar que gato preto. Sentiu que os tornozelos começavam a escorregar pelas mãos dos colegas, deu medo, também porque se demorava naquele sinal enjoado, uma cobrinha em cima do A, que sempre o atrapalhava quando ia à escola, sabe lá por que chamam de tiom, pensou. E os tornozelos escorregando, seu corpo deslizando em direção ao abismo, não tinha como se segurar. Foi sentindo o peso aumentar, os colegas finalmente o soltaram. Estatelou-se no asfalto do túnel. A polícia examinou o corpo. Um fotógrafo apontou sua câmera para a parede do túnel, estava escrito o que ele escrevera “Não perca sua vida”.
A história é fictícia, mas a frase de fato existe, no local descrito:

Passageiro do trem das onze
Filho único, falha imperdoável
Breve história de solidão e frustração

Não, André Luiz não mentia. Era de fato filho único e, embora já entrado nos trinta, morava mesmo com a mãe, e cuidava dela, num sobradinho deixado pelo pai, no Jaçanã. Aconteceu que naquela noite se descuidou, ficou até muito tarde no apartamento de Aline, uma jovem e simpática garota de programa por quem enrabichara já fazia algum tempo. Perdeu o trem, perdeu a hora de passar na pensão do tio para pegar a marmitex com a comida da mãe. Chegando em casa, já foi adivinhando as queixas de sempre ”André Luiz! Outra vez com aquela mulher? Não presta, meu filho, larga dela”. Mas não. Encontrou-a na poltrona da sala, dormindo, televisão ligada, só com chuvisco. Na mesa, um fogareiro e um ovo que ela tentara em vão cozinhar enquanto ele não chegava com a comida. Queimou uma caixa de fósforos inteira. Em tempo de botar fogo na casa, que perigo!, pensou ele. Foi então que, arrependido e de consciência pesada, resolveu atender os reclamos da mãe – e jurou triste e frustrado, que, embora fosse sentir saudade, nunca mais iria se encontrar com Aline.

Fernando Pacheco Jordão (1937 – 2017) faleceu em São Paulo aos 80 anos. Atuou no jornalismo desde 1957, quando iniciou sua carreira na antiga Rádio Nacional, em São Paulo. Posteriormente, trabalhou como repórter, redator e editor de diversos veículos, como O Estado de S. Paulo, TV Excelsior, BBC de Londres, TV Globo, TV Cultura de São Paulo, revistas IstoÉ e Veja. Como consultor e assessor político atuou nas campanhas dos governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin. Dirigente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo na época do assassinato de Vladimir Herzog, Fernando escreveu o livro “Dossiê Herzog – Prisão, Tortura e Morte no Brasil”, que já está na sexta edição e constitui documento fundamental para a História do Brasil. Foi sócio-diretor da FPJ – Fato, Pesquisa e Jornalismo. Hoje é patrono do “Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão”, realizado pelo Instituto Vladimir Herzog desde 2009 e que já está em sua 11ª edição.

Em defesa do amor

Inventaram a escrita
Que no início era
Massa bruta
E de tanto lapidar frases
E juntar palavras
Surgiram os poetas

O amor não existe!
Exclama o descrente
Mas vemos que
Não é o que dizem
A maioria dos poemas

No entanto,
(Como a vida)
Alguns poemas são duros
E descartam o amor

Mas a poesia como
Um todo segue
No culto do muito
Amor que ainda resta

E que inspira a feitura de versos
Que ficarão para sempre
E lutarão pelo amor –
Real sentido da existência

11/Nov/2006

Picasso

O pintor Picasso
Tem oito fases:
Azul
Rosa
Cubismo analítico
Cubismo sintético
Clássica
Metamorfoses
Política
Maturidade

Teve oito mulheres:
Fernande
Eva
Olga
Marie-Thérèse
Dora
Françoise
Geneviève
Jacqueline

Nasceu em Málaga
Morreu no sul da França

Deixou um enorme legado
Como o maior artista do século XX

San Francisco

Observo um lindo postal
Dessa cidade que
Para mim é distante
Ela parece-me compacta
Com sua ponte, seu rio
Os prédios falam mais do
Que seus milhões de habitantes
E o dólar fala mais e mais
Alto que todos. Toda a
Humanidade desumanizada
Pelo dinheiro sujo.

(Fase das moscas ideológicas)