Arte de amar

Não faço poemas como quem chora,
nem faço versos como quem morre.
Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira
quando muito moço; achava que tinha
os dias contados pela tísica
e até se acanhava de namorar.
Faço poemas como quem faz amor.
É a mesma luta suave e desvairada
enquanto a rosa orvalhada
se vai entreabrindo devagar.
A gente nem se dá conta, até acha bom,
o imenso trabalho que amor dá para fazer.

Perdão, amor não se faz.
Quando muito, se desfaz.
Fazer amor é um dizer
(a metáfora é falaz)
de quem pretende vestir
com roupa austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é foder.
A palavra fica nua
para todo mundo ver
o corpo amante cantando
a glória do seu poder.

Thiago de Mello (Barreirinha – AM, 30 de março de 1926 – Manaus – AM, 14 de janeiro de 2022)

Quando eu for bem velhinho

Mas quando eu for bem velhinho
Bem velhinho, que usar um bastão
Eu hei de ter um netinho
Pra me levar pela mão

No Carnaval eu não fico em casa
Eu não fico, vou brincar
Nem que eu vá me sentar na calçada
Pra ver meu bloco passar

Lupicínio Rodrigues (Porto Alegre, 16 de setembro de 1914 — Porto Alegre, 27 de agosto de 1974) e Felisberto Martins (Rio de Janeiro, 9 de maio de 1904 – Rio de Janeiro, 1980)

Pesca

Nadam pelo lago do total,
lá, onde não há bem nem mal,
onde a água é imaterial e sem sal,
velozes feixes de anos-luz,
que, às vezes, alguém enxerga e traduz.

A criação é quase uma ilusão,
uma com-sentida concessão,
flash do arcaico, disfarce futurista,
mosaico íntimo-universalista.

Como pode alguém se envaidecer
de algo que venha a ser, ter ou fazer
na condição de mero canalizador
de apoteoses inter-caladas por dor?

Fernanda Spinelli (Santos, São Paulo)

Árvores do Alentejo

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Florbela Espanca (Vila Viçosa, Portugal, 8 de dezembro de 1894 — Matosinhos, Portugal, 8 de dezembro de 1930)

Josué Montello: Citações

“Um homem de bem, quando não pode mais honrar os compromissos que assumiu, manda em seu lugar o atestado de óbito.” In “Noite sobre Alcântara”

“E ela jamais esqueceria a mão úmida da companheira, agarrada à sua, enquanto o rosto assustado lhe perguntava, com um fulgor de medo nas pupilas:
— Deus vai mandar me prender, Madalena? Ou eu já paguei minha conta, aqui na terra? Reze por mim. Vou deixar para você a minha Bíblia. E só o que eu tenho. Se eu chegar perto de Deus, vou dizer quem é você. Vou. Posso lhe fazer um pedido? Talvez seja o último. Já estou ficando sem forças. Pegue minha Bíblia, abra no Salmo 23. É aquele que diz que Deus é o meu pastor. Leia. Leia devagar.
E quando Madalena ergueu o olhar, ao fim da leitura, deu com a outra imóvel, de olhos parados. Desceu-lhe as pálpebras, cruzou-lhe as mãos. E curvando-se sobre a figura magra, que o lençol parecia tornar mais ossuda e lívida, rompeu a chorar baixinho, certa de que Deus havia recolhido ao seu rebanho, naquele presídio, a melhor ovelha.” In “O Silêncio da confissão”

“A gente precisa estar informada sobre tudo, papai. Para isso é que existem os livros. Sem esses rebeldes, o mundo não progredia. Eles vão na frente, abrindo o caminho.” In “Noite sobre Alcântara”

“Ele começou a reconhecer que, mais difícil do que viver, é saber encerrar harmoniosamente a vida, sem azedumes nem resmungos, em paz com o mundo que ficaria para trás.” In “Noite sobre Alcântara”

“Quem tem saudade nunca está só.”

Josué Montello (São Luís, 21 de agosto de 1917 — Rio de Janeiro, 15 de março de 2006)

Georgia Abdalla Hannud: Exposição coletiva – Instabilidade

Vernissage: 9 de novembro, das 11 às 17 horas
Exposição aberta até 17/11/2024
Espaço Contraponto
Rua Medeiros de Albuquerque, 55 – Vila Madalena – São Paulo
contraponto55@gmail.com

Com curadoria de @sergiofingermann

Georgia Abdalla Hannud (@gahannud): Advogada pós-graduada pela PUC-SP e mediadora formada pela FGV, iniciou pós-graduação em arteterapia em agosto de 2022 por conta de um projeto que implementou no hospital SBSHSL (Projeto Transformando Dor em Arte). Sempre teve interesse em arte e, em 1989, iniciou com Rosa Abdo e posteriormente com os mestres Sara Carone, casal Naoko e Megumi Yuasa e Kenjiro Ikoma. Na pintura teve orientação de Manoel Fernandes e mentoria de Sérgio Fingermann. Acredita que a arte, seja qual for a sua expressão, é a conexão da existência humana com o universo. E a sua beleza está na verdade nessa manifestação.