São 5:15, os anjos se foram
voando pelo furo da noite.
O céu espelhado, cubista, quadrado,
proclama um futuro ao meu lado.
Não é estranho transitar por trilhos de vidro.
Não é estranho o mundo andar transparente.
Rumo dentro de um furo dentro de um furo
e de fora do muro, sumo ao vapor dos fatos.
Estranho é rimar internamente como quem pulsa em atos,
mas desafina todas as músicas da ópera vivida.
Porque eu cantei por todas as ruas, cantei.
Porque também fui jacaré, eu fui
Jards Macalé, donzela, libélula, mané.
Os soluços escorrendo em sulcos
espalham barcos em um zigue-zague infernal.
Neosaldina, copo de suco, açúcar ao fundo,
resistem ao calor, mas não à dor do mundo –
dividem partes vagas, vítreas, diáfanas.
Não é estranho o inverno já ser primavera.
Não é estranho o inverso não ser o que era.
Um túnel, entro em um túnel dentro de um túnel
E do lado de fora voam coisas, folhas, bolhas ásperas.
Estranho é um diamante macio nunca tocar a Terra,
mas poder furar tantas coisas etéreas.
Punho, arrefece o punho, dentro um punho
E daí brota: o sumo de uma essência
gravita precisão granular.
Geometria de fora, algum ângulo se forma.
Não é estranho o contorno que se encerra.
Não é estranho o acerto vir sem espera.
Os mucos escorrendo mudos, escorrendo mundos,
abarcam com espelho um navegar abismal.
Meio litro de chá, uma bolha ainda lá
redime tanto calor e o frio que virá.
Fernanda Spinelli (Santos, São Paulo)