Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.
Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.
Contudo, num barquinho transparente,
No ser dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e nágua quase assente,
E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
Cesário Verde (Lisboa, Madalena, 25 de fevereiro de 1855 — Lisboa, Lumiar, 19 de julho de 1886), In “Poesias Completas de Cesário Verde”. Rio de Janeiro. Ediouro, 1987. Texto-base digitalizado por Emerson Kamiya