Desiderium

Quero voltar ao meu ninho,
Onde não devo morrer
Das roseiras entre o espinho,
Nos destroços do moinho
Rolas ouvindo gemer;

Ao meu ninho, alevantado
Por mim mesmo à beira-mar,
Do vento aos sopros vibrado,
Da vaga aos sons embalado –
Oh, meu formoso solar!

Ao viver contemplativo
Do meu norte do equador –
Que saudades! que saudades!
Dos meus anjos vindo às tardes;
À Vitória toda em flor!

Às sombras dos tamarindos
Eu quero a sesta dormir
Sentus in umbra, aos infindos
Mistérios da calma e aos lindos
Sonhos da amante a sorrir.

E nas horas de paraíso
Aura divina a enrugar
Na praia da espuma o friso;
E dentre o medo e entre o riso
Vagando o gênio insular.

E a falua que alva abria
No rio a vela ao clarão
Ou dos céus, ou da ardentia
Que é das águas alegria,
Do nauta a bela canção –

Quando seu manto de glórias
Desdobrava o mago luar,
Que parecia a Vitória
Ressumando de memórias,
Saudoso encantado o lar,

O que ama profundamente
Sentia, feliz então,
Voz ignota, asa fremente
Revoando, vagamente
Qual dentro do coração…

Oh, voltar eu quero ao ninho
Que elevei co’o meu suor!
Das roseiras ao espinho
Aonde a rola no moinho
Geme às sombras do equador!

Aonde eu acordo aos olores
Da laranjeira e a romã,
Todos ramos tendo flores,
Borboletas, beija-flores,
Toda doirada a manhã.

(Nova York, 1875)

Joaquim de Sousa Andrade, mais conhecido por Sousândrade (Guimarães, Maranhão, 9 de julho de 1833 – São Luís, Maranhão, 21 de abril de 1902). In “Liras Perdidas”

De um lado cantava o sol

De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim…

Cecília Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)

Como é, Torquato

Você também se foi
“desafiando o coro dos contentes
do seu tempo”
como eu dizia nos bons tempos de 68
Sousândrade no ouvido
(estrofe 61 do inferno de Wall Street)
mas logo agora
alguns dias depois que o
velho Pound se foi
deformado e difamado
pela cozinha litero-funerária dos jornais
por um erro
entre tantos acertos
neste deserto
com tantos lite-ratos dando sopa
se vendendo por um lugar ao sol
você deu as costas ao lugar e ao sol
proclamo mas reclamo
a morte nos fez mais uma falseta
mas não pensem que isto é um poema
só porque estou cortando as linhas
como faziam os poetas
isto é apenas uma conversa no deserto
parte da conversa que a gente
não teve em 4 anos
vou falando e parando onde devo parar
seria fácil glosar tuas próprias letras
cheias de tantas dicas de adeus
adeus vou pra não voltar
a vida é assim mesmo
eu fui-me embora
eu nunca mais vou voltar por aí
difícil é conversar agora
você sabe há tanto tempo a gente não se via
fui ouvir de novo as tuas coisas
“louvação” & “rua”
no primeiro Lp de Gil
“zabelê” & “minha senhora” (com Gil) &
“Nenhuma Dor”
(com Caetano) no primeiro LP de Caetano
e gal “domingou” & “marginalia II”
no primeiro disco tropicalista de Gil
& “mamãe coragem” com
Caetano (gal cantando)
Tão grandes quanto antes
& “a coisa mais linda que existe”
(com Gil) no LP de gal (1969)
& “ai de mim Copacabana” num
compacto com Caetano
meu estoque termina aí
(não tenho o “pra dizer adeus”)
e recomeçava agora com macalé
Let’s Play That
Uma obra – filho – é algumas primas
Você olha nos meus olhos e não vê nada
Não “não posso fazer troça
Na boca de uma lasca amarga”
Mas também não quero repetir a conversa de
Maiacóvski
Com Iesiênin (é muito arriscado)
Estou pensando
No mistério das letras de música
Tão frágeis
Quando escritas
Tão fortes quando cantadas
Por exemplo “nenhuma dor”
(é preciso reouvir) parece banal escrita
mas é visceral cantada
a palavra cantada
não é a palavra falada
nem a palavra escrita
a altura a intensidade a duração a posição
da palavra no espaço musical
a voz e o Mood mudam tudo
a palavra-canto
é outra coisa

     nha     mo    da

mi       na       ra    tem

                                     se       dos

                                          gre

etc

&

minha amada idolatrada
salve salve o nosso amor
já antecipava os antihinos
salve o lindo pendão dos seus olhos
com você diria depois
mas você tem muito mais
um poeta só um poeta tem
linguagem pra dizer
eu quero eu posso eu quis eu fiz
feijão verdura ternura e paz
tropicália bananas ao vento
um poeta desfolha a bandeira
agora você se mandou mesmo
pra não mais voltar
(deixe que os idiotas pensem
que isto é poesia)
nem a são Paulo nem a esta
espaçonave louca chamada Terra
tenho saudade
como os cariocas
do tempo em que sentia
sim a euforia se foi a alegria
era a prova dos novembro mas fomos todos reprovados
VAI BICHO
Nós por aqui vamos indo
Naviloucos
Poucos
Ocos
Um beijo preso na garganta
No doce infelicídio da formicidade
DESAFINAR
Medula & osso
O CORO DOS CONTENTES
Com geléia até o pescoço

Augusto de Campos (São Paulo, 14 de fevereiro de 1931). In “Os últimos dias de paupéria” de Toquato Neto, publicado na introdução deste livro

Poema tirado do arquivo .pdf (torquato-neto-os-ultimos-dias-de-pauperia_compress) enviado por WhatsApp pela amiga Maria Isabel Pellegrini Vergueiro que me escreve assim: “Bom dia, querido!! Meu beijo de parabéns vai com atraso, mas com o mesmo carinho! Tudo de bom na sua jornada! E segue um presentinho pra você… Torquato Neto! Mil beijos ❤️.“

Goca Moreno: Exposição coletiva “Riquezas de Ilhéus: Arte e Identidade Regional”

Ilhéus ganha um novo espaço para a valorização da arte e da cultura regional com a abertura da exposição “Riquezas de Ilhéus: Arte e Identidade Regional”, que ocorre de 1º a 3 de novembro de 2024, no Espaço Almeida Carneiro, futuro endereço do empreendimento Galeria Farani, no bairro da Cidade Nova, próximo ao Iate Clube, Ilhéus, Bahia. A exposição, com curadoria da artista plástica Carolina Kowarick, reúne renomados artistas locais, como Goca Moreno, Igor Rzehak, Rafael Pita e Selma Calheira, oferecendo ao público a oportunidade de contemplar obras que expressam a essência e as riquezas culturais de Ilhéus.

Esculturas, aquarelas e fotografias de renomados artistas locais, compõem um panorama das transformações que marcaram a história da cidade e suas paisagens. Com peças que remetem à tradição do cacau, ao mar e à capacidade de resiliência da população, a exposição é um convite para uma jornada visual através da essência de Ilhéus.

Este é um momento especial para a cidade, que recebe uma mostra de arte de grande valor e importância, reforçando o papel da cultura no fortalecimento da identidade regional. A exposição tem como objetivo promover a arte local, trazendo à tona a criatividade e o talento dos artistas que traduzem a história e as tradições de Ilhéus em formas, cores e expressões singulares. A presença da arte no cotidiano da cidade é essencial para o desenvolvimento cultural e a exposição proporciona aos visitantes uma experiência imersiva e reflexiva sobre as riquezas da região.

A exposição “Riquezas de Ilhéus” é uma oportunidade única para a comunidade local e visitantes apreciarem o talento dos artistas da região e refletirem sobre o papel fundamental da arte na construção de uma sociedade mais criativa e conectada com suas raízes.

Exposição patrocinada pela Construtora e incorporadora Almeida Carneiro localizada em Ilhéus.

Carolina Kowarick (@carolinakowarick) é a curadora dessa exposição. E os contatos dos artistas são:
Igor Rzehak (@igorcrzehak)
Rafael Pita (@rafaelpita.aquarela)
Selma Calheira (@selmacalheira, @coresdaterra)

Goca Moreno

Jorge Octavio Alves Moreno Filho, conhecido por Goca Moreno (@gocamoreno), é um escultor e pintor baiano desde 1980. Ele atua em Ilhéus e aí mantém o Espaço Goca Moreno. Estudou na instituição de ensino Escola de Belas Artes – UFBA.

“Nascido e criado na cidade baiana de Ilhéus em uma família de artistas, esse artista cultivou um sonho desde menino: mostrar sua obra para o maior número possível de pessoas e ser admirado por elas. Aos 61 anos, usando o nome de Goca Moreno, se tornou um dos artistas plásticos mais produtivos do Brasil.

Ele começou como gravador ainda na adolescência, criando xilogravuras. Foi incentivado a se mudar para Salvador e estudar com o escultor e pintor Mário Cravo Júnior (1923-2018), de quem se tornou discípulo. “Mário virou minha maior referência”, afirma Moreno à Istoé. “Com ele aprendi técnicas de escultura com sucata e até pintura. Mantivemos a amizade e uma parceria até poucos dias atrás, quando se foi.” Com Cravo Júnior, aprendeu a dominar várias técnicas, com igual talento, e a elaborar novas linguagens. Em 1986, voltou a Ilhéus com um diploma em Artes pela Universidade da Bahia, casou-se com Dida Moreno e se estabeleceu com uma galeria.

Goca supõe que sua obra tenha chegado a 10 mil peças — gravuras, esculturas, desenhos, telas e pinturas digitais — embora não tenha organizado um catálogo. Além disso, associou sua vasta produção e seu nome a um local específico. Assim se converteu no logotipo de Ilhéus, a terra do escritor Jorge Amado e cenário de suas histórias mais famosas.”

Trecho escrito por Luís Antônio Giron dentro do artigo de revista intitulado “O mundo de Goca Moreno”

Contatos:
www.facebook.com/goca.moreno
www.instagram.com/gocamoreno
gocamoreno@hotmail.com
WhatsApp: (73) 9 8825-1303

O Sonho

A noite nos impõe sua tarefa
mágica. Destecer o universo,
as ramificações infinitas
de causas e efeitos, que se perdem
nessa vertigem sem fundo, o tempo.
A noite quer que esta noite esqueças
teu nome, os antepassados e o sangue,
cada palavra humana e cada lágrima,
o que a vigília possa te ensinar,
o ponto ilusório dos geômetras,
a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,
o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,
tua bochecha na almofada, o frescor
do lençol novo, os jardins,
os impérios, os Césares e Shakespeare
e o que é mais difícil, o que amas.
Curiosamente, uma pílula pode
apagar o cosmos e erguer o caos

Jorge Luis Borges (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, Suíça, 14 de junho de 1986). Tradução de Floriano Martins (Fortaleza, Ceará, 1957) que é poeta, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor.

Soneto

Encontrei-te. Era o mês… Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranquilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois… depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia… Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?

Alphonsus de Guimaraens (Ouro Preto, 24 de julho de 1870 – Mariana, 15 de julho de 1921)