Vygotsky e Wallon: a contribuição de dois psicólogos ao avanço da educação

Vygotsky é um autor do início do século XIX: nasceu em Orsha, Bielorrússia, em 17 de novembro de 1896 e morreu precocemente em 11 de junho de 1934, aos 37 anos de idade. No ano de seu falecimento foi publicado o livro “Pensamento e linguagem na URSS”, um importante marco em sua obra. Teve tanto uma formação acadêmica como uma atividade profissional muito diversificada. Estudou direito (Universidade de Moscou), formando-se em 1917; história e filosofia (Universidade Popular de Shanyavskii), onde aprofundou seus estudos em psicologia, filosofia e literatura; e medicina (Moscou e Kharkov). Trabalhou como professor e pesquisador nas áreas da psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental; como conferencista; como pesquisador na área da “pedologia” (ciência da criança); foi o criador de um laboratório de psicologia na escola de formação de professores de Gomel; participou da criação do Instituto de Deficiências, em Moscou; fundou uma editora e uma revista literária; coordenou o setor de teatro do Departamento de Educação de Gomel e editou a seção de teatro no jornal local. Vygotsky destaca-se por ter uma produção escrita vastíssima (cerca de 200 trabalhos científicos) para uma vida tão curta, marcada por um interesse temático diversificado e por uma formação interdisciplinar.

Henri Wallon tem uma obra de destaque na psicologia da educação. Ele foi um importante filósofo, médico, psicólogo e político francês nascido em 15 de junho de 1879, em Paris, e morto em 1º de dezembro de 1962. Ele formou-se em 1902 em filosofia e em 1908 em medicina. Em 1914 teve uma passagem na I Guerra Mundial servindo como médico no exército francês e, nessa experiência na frente de combate, teve contato com as lesões cerebrais sofridas por ex-combatentes que fez com que ele revisse postulados neurológicos que havia desenvolvido no atendimento a crianças com deficiência. Mais à frente, entre 1920 e 1937, torna-se o encarregado de conferências sobre a psicologia da criança na Universidade de Sorbonne e em outras instituições de ensino superior. Sua trajetória mostra que até 1931 exerceu a função de médico de instituições psiquiátricas, enquanto paralelamente consolida seu interesse pela psicologia da criança. Vivenciou mais uma vez a tragédia de uma guerra onde foi perseguido pela Gestapo, quando as tropas alemãs invadiram a França na II Grande Guerra e, por isso, teve que viver na clandestinidade. Tornou-se bem conhecido por seu trabalho científico sobre Psicologia do Desenvolvimento, devotado principalmente à infância, em que assume uma postura notadamente interacionista, e por sua atuação política e posicionamento marxista. Por sua formação, ocupou os postos mais altos no mundo universitário francês, em que liderou uma intensa atividade de pesquisa.

Meus comentários a seguir sobre esses dois autores foram baseados em leitura feita das seguintes obras: “Vygotsky – Aprendizado e desenvolvimento: Um processo sócio-histórico”, de Marta Kohl de Oliveira; e “Henri Wallon – Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil”, de Izabel Galvão.

O objetivo mais amplo do trabalho de Vygotsky era a busca de uma “nova psicologia”, ou seja, de uma ligação entre a produção científica e o regime social recém-implantado em seu país. Essa “nova psicologia” que buscava consistia numa síntese entre duas fortes tendências presentes na psicologia do início do século XX: 1) Psicologia como ciência natural, que se relaciona com a psicologia experimental, preocupando-se com a quantificação dos fenômenos observáveis e com a subdivisão dos processos complexos em partes menores e mais facilmente observáveis; e que procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, tomando o homem basicamente como corpo. 2) Psicologia como ciência mental, que descrevia as propriedades dos processos psicológicos superiores, tomando o homem como mente, consciência e espírito, aproximando mais a psicologia da filosofia e das ciências humanas, com uma abordagem descritiva, subjetiva e dirigida a fenômenos globais, sem preocupação com a análise desses fenômenos em componentes mais simples.

O significado da síntese entre essas duas abordagens para Vygotsky, feita para tentar superar a crise da psicologia e para encontrar uma abordagem alternativa, é central para sua forma de compreender os processos psicológicos e não representa uma simples soma ou justaposição dos elementos experimental e mentalista, mas a emergência de algo novo, que se tornou possível pela interação entre esses elementos, num processo de transformação que gera novos fenômenos. Essa abordagem integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e como participante de um processo histórico. Apresenta três idéias centrais: 1) As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral; 2) O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico; e 3) A relação homem/ mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos (signo).

Vygotsky explica seus “pilares” básicos mostrando que a postulação de que o cérebro, como órgão material, é a base biológica do funcionamento psicológico e toca um dos extremos da psicologia humana, ou seja, o homem. Este, enquanto espécie biológica possui uma existência material que define limites e possibilidades para o seu desenvolvimento. Ele mostra que o cérebro, no entanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Afirma que a grande flexibilidade do cérebro não supõe um caos inicial, mas sim a presença de uma estrutura básica estabelecida ao longo da evolução da espécie, que cada um de seus membros traz consigo ao nascer.

Outra idéia de Vygotsky é que o homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana, dentro de uma concepção de uma base material em desenvolvimento ao longo da vida do indivíduo e da espécie. Para ele, o desenvolvimento psicológico não pode ser pensado como um processo abstrato, descontextualizado ou universal e sim que o funcionamento psicológico está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas.

Por fim, temos que o conceito da mediação é central para compreendermos o fundamento sócio-histórico do funcionamento psicológico, no que se refere ao seu pressuposto de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo.

Já na trajetória de Wallon rumo à educação ele, por um lado, viu o estudo da criança como um recurso para conhecer o psiquismo humano, por outro, interessou-se pela infância como problema concreto e é o que mostram seu interesse teórico por problemas da educação e sua participação no debate educacional de sua época. Ele considerava que entre a psicologia e a pedagogia deveria haver uma relação de contribuição recíproca e via que a pedagogia ofereceria campo de observação à psicologia, mas também questões para investigação e a psicologia, ao construir conhecimentos sobre o processo de desenvolvimento infantil, ofereceria um importante instrumento para o aprimoramento da prática pedagógica.

Relativo “a complexa dinâmica do desenvolvimento infantil” ele via que no desenvolvimento humano podemos identificar a existência de etapas claramente diferenciadas, caracterizadas por um conjunto de necessidades e de interesses que lhe garantem coerência e unidade. Neste sentido, o estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os do meio, instala-se uma dinâmica de determinações recíprocas, onde a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e seu ambiente e o contexto do desenvolvimento é formado pelos aspectos físicos do espaço, pelas pessoas próximas, pela linguagem e pelos conhecimentos próprios de cada cultura. Mostra também que a determinação recíproca que se estabelece entre as condutas da criança e os recursos de seu meio imprime um caráter de extrema relatividade ao processo de desenvolvimento e ele tem uma dinâmica e um ritmo próprios, resultantes da atuação de princípios funcionais que agem como uma espécie de leis constantes.

Para ele a afetividade, o ato motor, a inteligência são campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil e a pessoa é o todo que integra esses vários campos e é, ela própria, um outro campo funcional. Wallon desenvolve então seu conceito-chave que a idéia de diferenciação, onde o estado inicial da consciência pode ser comparado a uma massa difusa, na qual se confundem o próprio sujeito e a realidade exterior e a distinção entre o eu e o outro só se adquire progressivamente, num processo que se faz nas e pelas interações sociais.

A criança encontra-se num estado de dispersão e indiferenciação até que saiba identificar sua personalidade e a dos outros, correspondendo a primeira ao eu e as segundas à categoria do não-eu, onde ela percebe-se como que fundida ao outro e aderida às situações e circunstâncias e, nesse sentido, o processo de socialização é de crescente individualização.

Ao discutir o “pensamento, linguagem e conhecimento”, Wallon afirma que a linguagem é o instrumento e o suporte indispensável aos processos de pensamento, ao mesmo tempo em que age como estruturadora do mesmo. Elege o pensamento discursivo (verbal) como o objeto privilegiado de seu estudo sobre a inteligência e confere também grande importância ao binômio pensamento-linguagem.

A teoria walloniana mostra que é muito grande o impacto da linguagem sobre o desenvolvimento do pensamento e da atividade global da criança, sendo que com a posse desse instrumento, a criança deixa de reagir somente àquilo que se impõe concretamente a sua percepção; deslocando-se das ocupações ou solicitações do instante presente, sua atividade passa a comportar adiamentos e projetos. Mostra também que a linguagem oferece à representação mental o meio de evocar objetos ausentes e de confrontá-los entre si. Por fim, esses objetos e situações concretos passam a ter equivalentes em imagens e símbolos, podendo, assim, ser operados no plano mental de forma cada vez mais desvinculada da experiência pessoal e imediata.

Dito isso, chegamos agora ao seu ponto principal, que é a questão referente à análise das complexas relações de determinação recíproca que existe entre indivíduos e sociedade. Wallon via na educação o conflito entre o indivíduo e a sociedade. Ele discute a contradição entre indivíduo e sociedade existente na maior parte dos sistemas de ensino. Wallon apresenta em sua obra a idéia pedagógica da necessidade de superação da dicotomia entre indivíduo e sociedade subjacente à maior parte dos sistemas de ensino, que costumam oscilar contraditoriamente entre um e outro pólo da antinomia. Para o pensamento walloniano, a educação tradicional prioriza a ação dos adultos sobre a juventude e acena com a perpetuação da ordem social.

Dentro da perspectiva de que uma personalidade que se forma isolada da sociedade é inconcebível e que é na interação e no confronto com o outro que se forma o indivíduo, Wallon considera que a educação deve integrar à sua prática e aos seus objetivos, tanto a dimensão social como a individual, devendo, portanto, atender simultaneamente à formação do indivíduo e à da sociedade.

Discute também qual a importância de se refletir sobre as dimensões sociais da educação. Essa ação abre o caminho também para uma reflexão política sobre o papel da escola na sociedade, pois Wallon considera que a priorização da discussão metodológica em detrimento da reflexão sobre as dimensões sociais da educação foi outro fator responsável pelo individualismo.

Também propunha o atendimento simultâneo das aptidões individuais e das necessidades sociais, baseado na idéia de que o aproveitamento mais adequado das competências de cada um se dá em benefício do indivíduo e da sociedade, assim como a melhor distribuição das tarefas sociais serve ao interesse coletivo e à realização individual.

Por fim, temos que Wallon complementa seu projeto prevendo um procedimento de natureza financeira, que, além da gratuidade do ensino, incluíam a implantação de um regime de remuneração ao estudante, no sentido de assegurar a todos os indivíduos o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (06/03/2012)

Bairros da cidade de São Paulo, uma homenagem

Dando seqüência a minha colaboração periódica ao site “Vivendocidade” resolvi contar um pouco das histórias e das peculiaridades de alguns bairros paulistanos me baseando em leituras que fiz de diversas publicações. Entre elas o documento “Índice de Bairros“, do Legislativo Municipal; o livro “São Paulo: 450 bairros, 450 anos”, do jornalista Levino Ponciano; o site da Prefeitura Municipal de São Paulo e a Wikipédia, a enciclopédia livre da internet.

Muitos fatos e curiosidades dos bairros paulistanos podem ser lembrados. Por exemplo, que parte do bairro do Bixiga pertencia, na segunda metade do século XVIII, a Antonio Bexiga, vítima de varíola, doença conhecida popularmente por bexiga. Foi assim que surgiu o nome de um dos bairros mais conhecidos de São Paulo. O Brás, por sua vez, teve início na chácara de José Brás, onde, no início do século XIX, foi pedida a edificação de uma capela em homenagem ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Essa chácara ficava à margem de uma estrada que levava à Penha, com um trecho do caminho conhecido como caminho do José Brás que, depois, passou a ser denominado rua do Brás, conhecida hoje como avenida Rangel Pestana.

Já a história do Bom Retiro é marcada pela chegada dos judeus foragidos da perseguição dos nazistas no final dos anos 30, com sua vinda se acentuando durante os duros anos da Segunda Grande Guerra. Foram eles os responsáveis pelo grande progresso do bairro, sendo pioneiros na venda em prestações em suas lojas de roupas. O bairro de Ermelino Matarazzo tem por peculiaridade aniversariar no Dia do Trabalho, onde é organizada a maior festa popular deste dia, ficando atrás somente das comemorações das centrais sindicais. O nome do bairro é uma homenagem ao neto do conde Francisco Matarazzo, proprietário das indústrias Matarazzo, que atraiu para São Paulo, na década de 40, milhares de brasileiros e imigrantes em busca de emprego.

O bairro do Jardim Brasil, no Distrito de Vila Medeiros, nasceu de uma das duas fazendas de um visionário, o aviador Eduardo Pacheco Chaves, a chamada Fazenda Guapira (de onde nasceram os bairros do Jaçanã, Parque Edú Chaves, Jardim Brasil e outros). A outra fazenda, hoje no município de Guarulhos, se chamava Fazenda Cumbica, e ficava no mesmo local onde abriga hoje um dos maiores aeroportos brasileiros. A escola de pilotagem de Eduardo, que funcionava no terreno da fazenda, chegou a abrigar um grande hangar para os aviões, e obteve reconhecimento da sociedade da época. Assumiu um grande financiamento junto ao Banco do Brasil para a construção do primeiro aeroporto paulista, mais devido às inúmeras dificuldades encontradas na época, o projeto não foi efetivado. Inspirou, no entanto, a construção do Aeroporto Campo de Marte, mais próximo da região central, e não sujeito às dificuldades encontradas na região de origem.

Por fim, conheci a história da Mooca, bairro fundado em 1556, quando os jesuítas construíram uma ponte sobre o rio Tamanduateí. Mooca, do tupi-guarani significa “faz casa”, é uma referência à história dos índios que exclamavam “Mooca!” ao verem os brancos construindo suas casas naquela região. De 1870 a 1890, chegaram os imigrantes, com destaque para os italianos que montaram as primeiras fábricas de massa na região.

Dos cerca de cem bairros pesquisados observei que as comemorações de seus aniversários concentram-se no mês de outubro, com 19 bairros aniversariando, em seguida vem os meses de maio e setembro, com 13 aniversários cada. O menor número de bairros aniversariantes aparece no mês de fevereiro, com apenas dois bairros em festa. Neste mês de março são cinco os bairros em que se comemora a sua fundação: Pacaembu, Pedreira, Jardim Maringá, Indianópolis e Saúde.

O Pacaembu é um bairro nobre e sua história remonta ao século XVI, quando a Sesmaria do Pacaembu foi doada aos jesuítas por Martim Afonso de Sousa que, na época, a subdividiam em Pacaembu de Cima, Pacaembu do Meio e Pacaembu de Baixo. Os religiosos resolveram catequizar os índios da região e para tanto estabeleceram-se em várias aldeias da região. Uma delas situava-se próxima de um riacho que sofria inundações freqüentes. Era o “paã-nga-he-nb-bu”, ou seja, Pacaembu, que em tupi-guarani significa “atoleiro” ou “terras alagadas”.

Como a maioria dos bairros paulistanos ele formou-se do loteamento de diversas propriedades rurais. Com o passar dos anos, o velho sítio do Pacaembu, antes isolado e coberto por vegetação, foi subdividido em pequenas chácaras que cultivavam em sua maioria o chá.

No ano de 1912 a empresa inglesa “City of São Paulo Improvements and Freehold Company Limited” adquiriu terrenos na cidade, e uma dessas áreas seria o futuro bairro do Pacaembu. Essa companhia anunciava a criação de bairros baseados nos princípios básicos da “garden-city” (cidade-jardim), causando alvoroço entre os paulistanos. Por estar em um vale, a “City” enfrentou diversos desafios, como o terreno acidentado e as dificuldades de logística e transportes, pois na época eram utilizados burros de carga.

As primeiras modificações na região foram a canalização do ribeirão Pacaembu, a formação da primeira via do bairro, a Avenida Pacaembu, além da drenagem e aterramento de grandes áreas. O bairro foi projetado de acordo com o modelo cidade-jardim, através de ruas de traçado sinuoso, grandes terrenos e áreas ajardinadas. Houve também melhorias em eletricidade, na rede de água e de esgoto.

Em 1935, a empresa inglesa doou ao poder público um terreno 75 mil m² para a construção do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (ou Pacaembu). Projetada pela Companhia Severo e Villares a obra foi concluída em 1938, sendo inaugurada em 27 de abril de 1940, com a presença do então presidente da República Getúlio Vargas, o qual foi recebido por estrondosa vaia pelos paulistas. Na época era o maior estádio da América Latina.

Possui uma população de perfil bairrista, representada pela “Associação Viva Pacaembu por São Paulo” e “Associação dos Moradores e Amigos do Pacaembu, Perdizes e Higienópolis”, que defendem os interesses de seus moradores. Estas ONGs já lutaram contra mudanças na resolução do tombamento histórico do bairro, construção de estabelecimentos educacionais, verticalização do bairro, poluição visual e eventos no estádio do Pacaembu.

De acordo com o jornalista Levino Ponciano em seu livro “São Paulo: 450 bairros, 450 anos” no dia 9 de março fará aniversário também o bairro de Pedreira, localizado no extremo da zona sul da cidade de São Paulo e às margens da Represa Billings. Com quase 128 mil habitantes esse bairro começou a se formar a mais de meio século atrás e teve seu nome inspirado nas imensas pedreiras que sempre existiram nas suas imediações. Ele tem como principal atrativo a Represa Billings, que foi construída em 1920 por um engenheiro americano de mesmo nome e possui um imenso reservatório com quase 10 bilhões de litros de água e com 127 km² de superfície. Faz divisa com a Cidade Ademar, cujo nome indica ser uma homenagem ao engenheiro responsável pelo loteamento do local, nos anos 50, quando o lugar era um grande descampado. No entanto outra versão diz que o nome vem do ex-governador Ademar de Barros, proprietário de uma grande fazenda na qual o bairro foi iniciado.

Já em 15 de março o Jardim Maringá faz aniversário. Localizado na zona leste da capital paulista ele tem a sua origem a partir de um loteamento de uma área muito extensa e que deu origem também a Vila Matilde. Quem implantou o loteamento que originou esse jardim foi Juvenal Ferreira, cunhado de Dona Escolástica Melchert da Fonseca – que era a proprietária da gleba original e que ia desde a Guaiaúna até a Fazenda do Carmo, conhecida hoje como Parque do Carmo.

Uma peculiaridade deste mês de março é que no mesmo dia 26 será comemorado o aniversário de dois importantes bairros, Indianópolis e Saúde, ambos localizados na zona sul. Conforme relata Levino Ponciano em seu livro sobre os bairros paulistanos, o primeiro localiza-se em uma região que pertencia, no fim do século XIX, a Joaquim Pedro Celestino e à Companhia Territorial Paulista e que foi loteada com a chegada do bonde a vapor que ia até Santo Amaro. Seu nome é uma homenagem à cidade norte-americana de Indianápolis. A sua história mostra que ele começou a crescer nos primeiros anos do século XX e em 26 de março de 1933 deu-se o início da construção da primeira igreja do bairro, a de Nossa Senhora Aparecida, ficando a data como marco de sua fundação. Já o bairro da Saúde era, nos primeiros tempos de São Paulo, apenas parte de um caminho onde os tropeiros faziam parada. Com o passar dos tempos foi construída a Capela de Santa Cruz, passando mais tarde a ser denominada paróquia de Nossa Senhora da Saúde, sendo que, em 1928, iniciou-se a construção de uma grande igreja no local. Um de seus marcos é o famoso Bosque da Saúde, iniciado no início do século XIX e freqüentado por muitos paulistanos. Seu desenvolvimento se consolidou na década de 1970, trazendo grandes edifícios e um comércio pujante.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (19/02/2012)

Gejo, O Maldito: Personagens

Gejo, O Maldito

Nascido na Bahia, ele ingressou no graffite, hip hop e stencil no meio dos anos 90 e popularizou o graffiti e o hip hop nas escolas públicas. Massificou o termo arte/ educação, participou das ONG’s mais relevantes de São Paulo; expôs em escolas, bibliotecas, museus, galerias e exposições nos Estados Unidos, Alemanha, Israel, Canadá, Bélgica, Cingapura e Itália. É criador da marca de “Hip Hop 9370”, editor da revista Arte na Ruas e criador do evento “Free Art Fest”. Atualmente é proprietário do ponto cultural Elo Perdido e da Free Art Agency, que é uma empresa de artistas brasileiros que realiza oficinas, palestras, presta assessoria para assuntos de Street Art, produz ações artístico-culturais para galerias, espaços culturais, ONGs, Estados e empresas. Suas obras refletem as relações humanas nas áreas das questões ambientais, sociais, educacionais, políticas com tons de humor e muitas vezes de críticas com denúncias sociais.

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Fotos de Sérgio Guerini

A contraposição entre magia e religião

O sociólogo francês de origem russa Georges Gurvitch (1894-1965) aborda na obra “A vocação atual da sociologia” o tema “A magia, a religião e o direito”. Inspirado na leitura desse texto vou tentar mostrar para os leitores do site “Vivendocidade” qual seria a contraposição entre magia e religião.

Na introdução desse trabalho o autor aponta que muitos estudiosos de várias áreas, como etnólogos, sociólogos, historiadores, juristas, filósofos e teólogos, participaram de uma maneira muito ativa na discussão do problema da relação entre a magia e a religião nas sociedades arcaicas, assim como o das repercussões sociais da magia.

No entanto, segundo ele, o problema central dessa discussão ainda não teria sido resolvido, ou seja, não se chegou a um acordo nem sobre a possibilidade de traçar uma linha de demarcação precisa entre magia e religião, nem sobre uma determinação da função específica da magia na vida social, muito menos sobre precisar as suas relações com a técnica, a ciência, a moral e o direito.

Gurvitch procura mostrar que a irredutibilidade maior ou menor da magia e da religião, geradas não só pela oposição de duas atitudes coletivas diferentes, mas também pela oposição de duas categorias fundamentais do pensamento dos arcaicos, que seriam o maná (que, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tem o sentido figurado de alimento espiritual de origem divina; o que consola a alma) e o sagrado, constitui um aspecto essencial do pluralismo e da complexidade das suas sociedades.

Ele aponta que qualquer tentativa para opor esses dois temas como elementos irredutíveis encontra três objeções prévias:

a) Como separar a magia da religião, quando na realidade elas estão imbricadas, contendo a maior parte das religiões conhecidas elementos de magia, tanto branca como negra;

b) Separar completamente a magia da religião não seria separar a magia dos estados de consciência coletiva, isto é, da sociedade cuja encarnação é a religião? e;

c) A oposição entre força sobrenatural transcendente (deus, totem) e força sobrenatural imanente (força mágica, maná) pressupõe que os arcaicos são geralmente capazes de distinguir entre o “sobrenatural” e o “natural”, assim como entre o “transcendente” e o “imanente”, pressuposições essas ingênuas e erradas, que lhe atribuem as nossas concepções atuais.

Quando aborda as “Conclusões gerais sobre as propriedades do maná e da magia” Gurvitch discute a oposição entre o maná e o sagrado, procurando resumir em nove tópicos os traços específicos do maná, que considera o conceito-chave da magia, na sua oposição com o sagrado e o divino, que considera, por sua vez, o conceito-chave da religião.

No primeiro tópico mostra que o maná é uma força sobrenatural difundida no mundo, afirmando-se como um poderoso ímã da emotividade e da vontade, ao mesmo tempo emotiva e individual. Em seguida, ele afirma que essa força age nas relações entre os seres do mesmo nível ontológico, ou seja, relativo à investigação teórica do ser, bem mais do que nas relações entre os seres superiores e inferiores. No tópico III esclarece que as duas características precedentes transformam a força sobrenatural, que se chama maná, em princípio, imanente aos seres entre os quais ela atua.

No tópico seguinte, Gurvitch aponta que o maná pode mesmo ser parcialmente criado por um esforço bem sucedido, permitindo o rito mágico tanto entrar em contato com o maná, como criá-lo. No tópico V mostra que o maná, sendo qualidade, substância, ação, potencial de eficácia, é, ao mesmo tempo e de modo indistinto, pessoal e impessoal. No VI aponta que o maná, enquanto força, é simultaneamente impessoal e pessoal; no entanto, pode ser, ou, sobretudo coletivo, ou, sobretudo individual, segundo os indivíduos de que emana. Afirma, então, que podemos distinguir, neste sentido, o maná do grupo e o maná do indivíduo.

No tópico VII ele mostra que o maná não é privilégio de uma casta especial de mágicos nem de confrarias secretas. Ele é uma espécie de energia vital imanente espalhada no mundo e agindo entre os seres do mesmo nível e todos os seres o possuem e o manejam um pouco. Por isso em todas as relações humanas, o maná desempenha o seu papel mesmo sem a intervenção de ritos mágicos especiais, onde os mágicos profissionais, brancos ou negros (feiticeiros) não passam de homens particularmente hábeis em atualizar o maná acessível a todos, e os clubes e as confrarias secretas não fazem mais do que encarnar e manejar o maná coletivo na sua pureza, à qual a submissão ao sagrado, tal como ela se produz no clã, não causou qualquer dano.

Já no tópico VIII, Gurvitch afirma que o maná não se identifica nem com a consciência (individual ou coletiva), nem com a alma, nem com o espírito, ainda menos com o sagrado ou o divino. Ele se afirma como independente na sua essência e pode penetrar qualquer elemento. Finalmente, no tópico IX ele mostra que o maná, pelas suas propriedades, nada tem a ver com o sagrado, o divino e a religião, sendo justamente uma força sobrenatural que não é sagrada, que não implica obediência e submissão e não traz a salvação; é uma força sobrenatural imanente, ao passo que o sagrado é uma força sobrenatural transcendente.

Outro aspecto importante que Gurvitch aborda nas “Conclusões gerais sobre as propriedades do maná e da magia” é a definição da magia e da religião. Afirma que resulta de todas as características precedentes que a magia e a religião são heterogêneas, tanto pelos seus conteúdos ou “obras”, como pelas atitudes que provocam nos sujeitos, coletivos ou individuais.

Esclarece que a base psico-social da magia é o desejo ilimitado de dominar o mundo por meio de manifestações, desejo esse acompanhado do receio de não saber suficientemente dominar as forças que se desencadeiam. Já a base psico-social da religião é a angústia irremediável, o sentimento de abandono e de fraqueza, de que o outro pólo é a esperança de salvação, somente trazida pela condescendência de uma força mais ou menos transcendente.

Para Gurvitch, a magia pode ser pública ou secreta, branca ou negra e não há paralelismo entre estas duas oposições, pois se toda magia negra é secreta, ao invés, a magia branca tanto pode ser pública como secreta, tanto coletiva como individual. Ele mostra que a religião, pelo contrário, é sempre coletiva no seu conteúdo (dogma revelado ao grupo), e, habitualmente também, no seu exercício (culto e ritos) e tem uma tendência muito nítida para ser exclusivamente pública.

Na sua visão, a magia favorece o desenvolvimento do individualismo de uma forma indireta, pois, em primeiro lugar a concorrência entre a magia e a religião pode contribuir para a pluralização dos grupos na sociedade arcaica e para a limitação do ascendente exercido sobre o clã pelas confrarias secretas, fazendo com que surja uma atmosfera mais favorável ao desenvolvimento do individualismo; e, em segundo lugar, a própria crença na autonomia, no poder manipulador da vontade humana coletiva ou individual, favorece indiretamente, no indivíduo, o sentimento de si próprio e a sua libertação parcial da dominação do conjunto.

Gurvitch conclui a definição de magia e de religião afirmando que assim combinada com fatores econômicos e políticos, a magia torna-se um fator de maior diferenciação dos indivíduos na sociedade arcaica, diferenciação essa que favorece o pluralismo dos grupos provocado pela concorrência entre religião e magia.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (31/01/2012)

Proibido dar palmada nas crianças: agora querem intervir no cotidiano da casa

Pensando nas coisas que acontecem no dia a dia de uma família nos deparamos com a recente Lei da Palmada (Projeto de Lei 7672/10) aprovada em Comissão Especial da Câmara em 14 de dezembro do ano passado. Polêmica na certa, essa lei afetará o cotidiano da casa. Fica uma questão: como analisá-la à luz da Sociologia? Pensei logo de cara na Sociologia da Vida Cotidiana, tão difundida pelo filósofo marxista e sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991). Comentarei, então, essa lei e assim retomarei, nesse desabrochar de 2012, minha contribuição periódica ao site “Vivendocidade”.

Esse ramo da Sociologia trata da possibilidade de investigação e analisa o discurso a respeito do cotidiano visto como uma manifestação do real e da realidade da vida. Tal possibilidade é vista por ela de diversos ângulos e as relações de família estão, com certeza, englobadas neles. Nessas relações tem um papel central o poder dos pais em intervir na educação dos filhos pequenos, usando vários métodos, entre eles a palmada. Desde antanho ela é empregada no sentido corretivo, mais contemporaneamente vem perdendo espaço para uma educação mais liberal, que procura privilegiar o diálogo na repreensão dos deslizes da criança. A novidade é que agora o legislador resolveu agir, embalado por uma ação do Poder Executivo. E, mais uma vez, para criar uma lei que, como tantas, não vai ser respeitada e nem adotada na prática. Além do mais surge uma questão importante: como fiscalizar? Pensemos…

Essa lei prevê punições aos pais que baterem em seus filhos, proíbe e estabelece sanções para castigos físicos aplicados por eles contra as crianças. Ela estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante. Sujeita os pais infratores a penas socioeducativas que vão até ao afastamento dos filhos e especifica que as crianças e os adolescentes devem ser protegidos do castigo físico, em que haja o uso da força e resulte em sofrimento e lesão para eles. Ela quer substituir a popular palmada educativa pelo elogiado diálogo entre pais e filhos.

Se aprovada em plenário neste ano ela obrigará os pais a aprenderem a educar os filhos sem violência. Esse projeto proibirá qualquer castigo físico contra crianças e adolescentes e o seu texto com certeza alterará o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90), que atualmente não deixa claro quais são as restrições quanto aos maus tratos realizados pelos pais.

Visto no prisma teórico de Lefebvre a educação e os processos pedagógicos só aceitam críticas pedagógicas feitas a posteriori. Ele evidencia que “os métodos e a matéria ensinada” reduzem o aluno à passividade, habituando-o a trabalhar sem prazer, destacando os métodos, os locais e a arrumação do espaço. Afirma que “o espaço pedagógico é repressivo, mas esta “estrutura” tem um significado mais vasto do que a repressão local: o saber imposto, “engolido” pelos alunos e “vomitado” nos exames, corresponde à divisão do trabalho na sociedade burguesa, serve-lhe, portanto, de suporte”. Esta análise “da forma e da transmissão passa ao largo de um problema central, o conteúdo do saber e do seu lugar na divisão do trabalho”. Partindo da teoria produzida por Lefebvre, seria necessário verificar como se produzem e re-produzem as relações sociais no processo educativo. No cotidiano da casa não é diferente. Vamos aguardar…

Nesses tempos em que vivemos não podemos esquecer da importância que mídias de massa, como a televisão, e eletrônicas, como a internet, passaram a ter nesse processo e de como podem atuar na mudança do comportamento da população. Com isso tudo espera-se educar os pais para que se conscientizem na hora em que forem agredir os filhos e passem a buscar de um diálogo sempre possível e até mais pedagógico.

No meu entender, para educar as crianças continua sendo necessário algum tipo de punição ao filho infrator. Essa tarefa não pode ficar somente nas mãos da escola. A decisão de reprimir deve ser dos pais. É claro que existem excessos e estes devem ser controlados. Quanto à violência empregada nesse ato, onde entra a tal da palmada corretiva, cabe à consciência de cada pai ou mãe decidir como agir e ao bom senso no seu uso. Agora no tocante à ação do legislador ao tentar controlar esse ato tão doméstico e familiar resta-nos questionar tanto a sua eficácia quanto o poder de controle e de fiscalização por parte do Estado. Imagino que será mais uma medida, como tantas, ineficaz. Promulgar uma lei para vigiar e punir os pais (mexa-se Michel Foucault!) em seu suposto ímpeto de violência e agressão contra as crianças será a melhor solução?

Colaboração de Carlos Correa Filho.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (10/01/2012)

Marinaldo Santos: Ela com CD

Marinaldo Santos nasceu em Belém do Pará, em 1961. Artista plástico e admirador da vida. É também pintor e desenhista autodidata. Em 1987 começou a realizar exposições individuais e coletivas, participando de mostras em todo o país e no exterior (Alemanha, Estados Unidos, Holanda, França). Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Grande Prêmio do Salão de Artes do Pará.

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Foto de Sérgio Guerini

Digressões sobre o pensamento marxista

Vez ou outra me perguntam sobre política, onde a teoria marxista ocupa uma posição central. Dúvidas sobre esse assunto são muito comuns. E sempre surgem questionamentos, confusões e mitos. Com o objetivo de esclarecer o leitor sobre essa forma de pensamento refletirei um pouco sobre ela analisando a sua teoria mais geral. Uma coisa é certa: o marxismo nunca perderá a sua atualidade, por mais que se fale mal do socialismo real. Na faculdade pude compreender que este pensamento – dito clássico – surgiu num contexto histórico de uma dupla revolução (Revolução Industrial e Revolução Francesa), sendo a “modernidade” a forma mais geral resultante desta. Assim seguimos contribuindo com o site “Vivendocidade”.

Na concepção marxista de sociedade não há uma separação rígida entre natureza e sociedade e sim uma relação dialética entre ambas. Entre os princípios da dialética, como método de pensar, incluem-se alguns conceitos como: “Nada existe separadamente”; “Tudo está em permanente processo de transformação” e que “O motor da mudança é a luta de contrários”.

O pensamento marxista tem como fontes principais na sua construção a dialética de Hegel, o materialismo de Feuerback, o socialismo utópico desenvolvido na França (Proudhon, Saint-Simon, Fourier) e na Inglaterra (Owen) e a economia política clássica (Adam Smith e David Ricardo) e vulgar (John Stuart Mill, Benthan, Sismon).

A obra escrita em conjunto por Marx e Engels e intitulada “A Ideologia Alemã” foi um marco no pensamento marxista. Nela são definidas os princípios básicos da dialética materialista e é feita uma crítica a Feuerback, que limitou sua crítica a Hegel (“dialética idealista”) ao aspecto religioso, não a estendendo à economia, política e sociedade, como a concepção inicial desse autor (baseado na concepção do Estado). Dos socialistas utópicos, os marxistas extraem o conceito de luta de classes (“motor” da transformação). Neste livro são elaborados dois outros conceitos-chave na obra marxista. O conceito de trabalho, pensado em termos da economia política, e o conceito de alienação, inspirado em Hegel e Feuerback.

O ponto de partida da análise de classes no marxismo foi a famosa passagem do “Manifesto Comunista” na qual Marx e Engels declaram que “a história de toda a sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes”, mais a obra central de Marx é o livro “O Capital”, um tratado acerca da dominação sob o modo de produção capitalista e vários conceitos importantes surgem na sua leitura.

Pensando em termos dos conflitos vê-se que nessa concepção a análise de classes é uma análise da luta de classes, ou seja, é um modo de análise que procede da crença segundo a qual a luta de classes constitui o fato crucial da vida social desde o passado remoto até o presente.

Nessa visão os protagonistas da luta de classes são, de um lado, os proprietários dos meios de produção e, de outro, os produtores e esses contrários estão engalfinhados num conflito que é eminente, “estruturalmente” determinado e implícito em sua respectiva localização no processo de produção. Os proprietários (burgueses) são inelutavelmente levados a tentar extrair a quantidade máxima de mais-valia que é possível extrair dos produtores (proletariado) nas condições históricas dadas, enquanto os produtores são similarmente levados a tentar minimizar essa quantidade e a produzir sob as condições menos onerosas possíveis.

A relação entre proprietários e produtores é uma relação de exploração que num sentido técnico denota a apropriação da mais-valia e a alocação do produto excedente por pessoas sobre as quais os produtores têm pouco ou nenhum controle. A exploração não é um desenvolvimento peculiar do capitalismo e a questão da apropriação e da alocação da mais-valia é muito mais complicado do que essa formulação sugere.

A análise de classes está preocupada basicamente com um processo de dominação e de subordinação de classes, o que constitui uma condição essencial do processo de exploração e sempre foi o principal objetivo da dominação. Para Marx, a exploração é de crucial importância, mas é a dominação que a torna possível. Marx visava criar uma “sociedade verdadeiramente humana”, onde seriam abolidas as relações de dominação e coerção.

Uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de dominação: os meios de produção, onde o controle pode envolver a propriedade desses meios; os meios de administração e coerção do Estado; e os principais meios para estabelecer a comunicação e o consenso. (estrutura de dominação).

Nessa análise a importância da propriedade é fundamental na vida da sociedade capitalista. Ela é a principal fonte de poder administrativo nas empresas capitalistas de médio e pequeno porte, mas ela não é pré-requisito essencial para o controle das principais fontes de poder na sociedade capitalista, ou seja, o poder corporativo e o poder do Estado.

O próprio Estado é um extrator maior da mais-valia, tanto como empregador quanto como coletor de impostos. Ele é capaz de envolver-se no processo de extração em virtude de seu controle do poder estatal, sem ter nada a ver com a propriedade pessoal que intervém nesse processo.

Os elementos comerciais e profissionais da classe dominante compõem a burguesia das sociedades capitalistas avançadas da atualidade. Essa burguesia se distingue da elite do poder em virtude de não ter nada que possa ser chamado de seu poder. No entanto, ela faz parte da classe dominante porque seus membros exercem um grande poder em termos econômicos, sociais, políticos e culturais, não apenas na sociedade em geral, mas também em várias partes do Estado.

A classe dominante, como todas as outras, está longe de ser homogênea e divergências e choques muito pronunciados ocorrem constantemente entre diferentes segmentos dessa elite. Ela permanece suficientemente coesa para assegurar que seus objetivos comuns sejam eficazmente defendidos.

A outra seria a classe subordinada da sociedade capitalista e que compreende uma vasta maioria de sua população e cuja maior parte se compõe dos trabalhadores e seus dependentes. Ela é uma classe extremamente variada, diversa, dividida com base na ocupação, habilidade, gênero, raça, etnicidade, religião, ideologia, entre outras.

Essas divisões são de grande importância política e têm um peso muito grande na história das sociedades capitalistas, sem falar nos movimentos trabalhistas. A classe operária como um todo tem aumentado com o passar dos anos.

A classe trabalhadora compõe-se atualmente de operários e de funcionários de escritório e seus dependentes e de uma variedade de homens e mulheres dedicadas a ocupações voltadas para os serviços e distribuição.

Entre os conflitos temos as lutas que assumem uma multiplicidade de formas e expressões, mas pode-se situá-los em duas categorias gerais. De um lado, a classe dominante (classe conservadora) que procura defender, manter e fortalecer a ordem social, e o faz em nome do interesse nacional, da liberdade, da democracia ou de que quer que seja. Do outro lado, a classe subordinada, ou pelo menos a minoria ativista dentro dela, que está envolvida num processo permanente de pressão de baixo para cima. Pode ser exercida ou para modificar ou melhorar as condições nas quais a subordinação é vivenciada ou para erradicar por completo a subordinação. A primeira preocupa-se, sobretudo com as melhorias e reformas dentro da estrutura do capitalismo, e não procura ir além dessa estrutura. Já a segunda procura ultrapassar essa mesma estrutura, sendo portando revolucionária.

É a oposição e as lutas geradas por esses objetivos contraditórios descritos acima que constituem o fato crucial da vida social.

É importante destacar as maneira pelas quais as classes dominantes procuram usar o sistema político para seus próprios fins. A mais importante dessas instituições é o Estado, visto que ele desempenha um papel único e indispensável na defesa e no fortalecimento da ordem social e nenhuma outra instituição é capaz de intervir com a mesma eficácia na vida social. Isso ocorre por mais “não-intervencionista” que ele possa querer ser na vida econômica. Mesmo assim ele desempenha um papel crucial no âmbito dos conflitos e poderes na experiência social, nem que seja para atenuar os custos sociais da empresa capitalista.

O Estado é importante também porque ele é responsável pela previdência social e pelos serviços coletivos que servem também para assegurar a manutenção e a reprodução de uma força de trabalho eficiente e atenuam as queixas das pressões vindas de cima. Ele está profundamente envolvido na decisiva propaganda e na doutrinação e está encarregado do imenso aparato de coerção e repressão que está sendo operado na sociedade de classes. O Estado procura desempenhar um papel importante na manutenção da ordem social baseada na dominação e na exploração de classe.

A análise de classes está também preocupada com a crucial e incessante luta empreendida de cima para baixo com o objetivo de impor aos produtores as disciplinas que tornam possível a extração da mais-valia, processo que ocorre no ponto de produção e no local de trabalho, mas que depende também de toda uma série de condições sociais e políticas.

Quanto à pressão de baixo para cima, Marx acreditava que a classe trabalhadora deve inevitavelmente adotar as lutas pela modificação e melhoria das condições em que a subordinação e a exploração são vivenciadas e a luta pela abolição total da subordinação, onde Marx destaca a última.

Nessas lutas tem-se que destacar a influência da democracia capitalista sobre os movimentos trabalhistas. A democracia capitalista revelou-se um sistema extraordinariamente flexível, resistente e com poder de absorção, e desempenhou um papel fundamental na contenção e neutralização da pressão de baixo para cima.

Pensando em termos das linhas constitutivas de uma “teoria sociológica” marxista, temos outro marco: a situação da classe trabalhadora da Inglaterra, escrita por Engels. Este é um livro clássico pela abrangência com que a pesquisa empírica se articula com a matriz teórica; onde o enquadramento teórico orienta a seleção e análise factual e como esta, dialeticamente tratada, incide na correção daquele (enquadramento teórico). Ele descreve com detalhes toda a exploração da mão-de-obra inglesa, inclusive a de crianças, e as péssimas condições de trabalho e as longas jornadas de trabalho.

Resgato hoje esse tema com o intuito de mostrar como esse pensamento ainda é atual, pois analisa o capitalismo em sua essência, e de como ele é interessante para se estudar e para se aprofundar.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (07/12/2011)