Vygotsky e Wallon: a contribuição de dois psicólogos ao avanço da educação

Vygotsky é um autor do início do século XIX: nasceu em Orsha, Bielorrússia, em 17 de novembro de 1896 e morreu precocemente em 11 de junho de 1934, aos 37 anos de idade. No ano de seu falecimento foi publicado o livro “Pensamento e linguagem na URSS”, um importante marco em sua obra. Teve tanto uma formação acadêmica como uma atividade profissional muito diversificada. Estudou direito (Universidade de Moscou), formando-se em 1917; história e filosofia (Universidade Popular de Shanyavskii), onde aprofundou seus estudos em psicologia, filosofia e literatura; e medicina (Moscou e Kharkov). Trabalhou como professor e pesquisador nas áreas da psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental; como conferencista; como pesquisador na área da “pedologia” (ciência da criança); foi o criador de um laboratório de psicologia na escola de formação de professores de Gomel; participou da criação do Instituto de Deficiências, em Moscou; fundou uma editora e uma revista literária; coordenou o setor de teatro do Departamento de Educação de Gomel e editou a seção de teatro no jornal local. Vygotsky destaca-se por ter uma produção escrita vastíssima (cerca de 200 trabalhos científicos) para uma vida tão curta, marcada por um interesse temático diversificado e por uma formação interdisciplinar.

Henri Wallon tem uma obra de destaque na psicologia da educação. Ele foi um importante filósofo, médico, psicólogo e político francês nascido em 15 de junho de 1879, em Paris, e morto em 1º de dezembro de 1962. Ele formou-se em 1902 em filosofia e em 1908 em medicina. Em 1914 teve uma passagem na I Guerra Mundial servindo como médico no exército francês e, nessa experiência na frente de combate, teve contato com as lesões cerebrais sofridas por ex-combatentes que fez com que ele revisse postulados neurológicos que havia desenvolvido no atendimento a crianças com deficiência. Mais à frente, entre 1920 e 1937, torna-se o encarregado de conferências sobre a psicologia da criança na Universidade de Sorbonne e em outras instituições de ensino superior. Sua trajetória mostra que até 1931 exerceu a função de médico de instituições psiquiátricas, enquanto paralelamente consolida seu interesse pela psicologia da criança. Vivenciou mais uma vez a tragédia de uma guerra onde foi perseguido pela Gestapo, quando as tropas alemãs invadiram a França na II Grande Guerra e, por isso, teve que viver na clandestinidade. Tornou-se bem conhecido por seu trabalho científico sobre Psicologia do Desenvolvimento, devotado principalmente à infância, em que assume uma postura notadamente interacionista, e por sua atuação política e posicionamento marxista. Por sua formação, ocupou os postos mais altos no mundo universitário francês, em que liderou uma intensa atividade de pesquisa.

Meus comentários a seguir sobre esses dois autores foram baseados em leitura feita das seguintes obras: “Vygotsky – Aprendizado e desenvolvimento: Um processo sócio-histórico”, de Marta Kohl de Oliveira; e “Henri Wallon – Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil”, de Izabel Galvão.

O objetivo mais amplo do trabalho de Vygotsky era a busca de uma “nova psicologia”, ou seja, de uma ligação entre a produção científica e o regime social recém-implantado em seu país. Essa “nova psicologia” que buscava consistia numa síntese entre duas fortes tendências presentes na psicologia do início do século XX: 1) Psicologia como ciência natural, que se relaciona com a psicologia experimental, preocupando-se com a quantificação dos fenômenos observáveis e com a subdivisão dos processos complexos em partes menores e mais facilmente observáveis; e que procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, tomando o homem basicamente como corpo. 2) Psicologia como ciência mental, que descrevia as propriedades dos processos psicológicos superiores, tomando o homem como mente, consciência e espírito, aproximando mais a psicologia da filosofia e das ciências humanas, com uma abordagem descritiva, subjetiva e dirigida a fenômenos globais, sem preocupação com a análise desses fenômenos em componentes mais simples.

O significado da síntese entre essas duas abordagens para Vygotsky, feita para tentar superar a crise da psicologia e para encontrar uma abordagem alternativa, é central para sua forma de compreender os processos psicológicos e não representa uma simples soma ou justaposição dos elementos experimental e mentalista, mas a emergência de algo novo, que se tornou possível pela interação entre esses elementos, num processo de transformação que gera novos fenômenos. Essa abordagem integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e como participante de um processo histórico. Apresenta três idéias centrais: 1) As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral; 2) O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico; e 3) A relação homem/ mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos (signo).

Vygotsky explica seus “pilares” básicos mostrando que a postulação de que o cérebro, como órgão material, é a base biológica do funcionamento psicológico e toca um dos extremos da psicologia humana, ou seja, o homem. Este, enquanto espécie biológica possui uma existência material que define limites e possibilidades para o seu desenvolvimento. Ele mostra que o cérebro, no entanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Afirma que a grande flexibilidade do cérebro não supõe um caos inicial, mas sim a presença de uma estrutura básica estabelecida ao longo da evolução da espécie, que cada um de seus membros traz consigo ao nascer.

Outra idéia de Vygotsky é que o homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana, dentro de uma concepção de uma base material em desenvolvimento ao longo da vida do indivíduo e da espécie. Para ele, o desenvolvimento psicológico não pode ser pensado como um processo abstrato, descontextualizado ou universal e sim que o funcionamento psicológico está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas.

Por fim, temos que o conceito da mediação é central para compreendermos o fundamento sócio-histórico do funcionamento psicológico, no que se refere ao seu pressuposto de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo.

Já na trajetória de Wallon rumo à educação ele, por um lado, viu o estudo da criança como um recurso para conhecer o psiquismo humano, por outro, interessou-se pela infância como problema concreto e é o que mostram seu interesse teórico por problemas da educação e sua participação no debate educacional de sua época. Ele considerava que entre a psicologia e a pedagogia deveria haver uma relação de contribuição recíproca e via que a pedagogia ofereceria campo de observação à psicologia, mas também questões para investigação e a psicologia, ao construir conhecimentos sobre o processo de desenvolvimento infantil, ofereceria um importante instrumento para o aprimoramento da prática pedagógica.

Relativo “a complexa dinâmica do desenvolvimento infantil” ele via que no desenvolvimento humano podemos identificar a existência de etapas claramente diferenciadas, caracterizadas por um conjunto de necessidades e de interesses que lhe garantem coerência e unidade. Neste sentido, o estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os do meio, instala-se uma dinâmica de determinações recíprocas, onde a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e seu ambiente e o contexto do desenvolvimento é formado pelos aspectos físicos do espaço, pelas pessoas próximas, pela linguagem e pelos conhecimentos próprios de cada cultura. Mostra também que a determinação recíproca que se estabelece entre as condutas da criança e os recursos de seu meio imprime um caráter de extrema relatividade ao processo de desenvolvimento e ele tem uma dinâmica e um ritmo próprios, resultantes da atuação de princípios funcionais que agem como uma espécie de leis constantes.

Para ele a afetividade, o ato motor, a inteligência são campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil e a pessoa é o todo que integra esses vários campos e é, ela própria, um outro campo funcional. Wallon desenvolve então seu conceito-chave que a idéia de diferenciação, onde o estado inicial da consciência pode ser comparado a uma massa difusa, na qual se confundem o próprio sujeito e a realidade exterior e a distinção entre o eu e o outro só se adquire progressivamente, num processo que se faz nas e pelas interações sociais.

A criança encontra-se num estado de dispersão e indiferenciação até que saiba identificar sua personalidade e a dos outros, correspondendo a primeira ao eu e as segundas à categoria do não-eu, onde ela percebe-se como que fundida ao outro e aderida às situações e circunstâncias e, nesse sentido, o processo de socialização é de crescente individualização.

Ao discutir o “pensamento, linguagem e conhecimento”, Wallon afirma que a linguagem é o instrumento e o suporte indispensável aos processos de pensamento, ao mesmo tempo em que age como estruturadora do mesmo. Elege o pensamento discursivo (verbal) como o objeto privilegiado de seu estudo sobre a inteligência e confere também grande importância ao binômio pensamento-linguagem.

A teoria walloniana mostra que é muito grande o impacto da linguagem sobre o desenvolvimento do pensamento e da atividade global da criança, sendo que com a posse desse instrumento, a criança deixa de reagir somente àquilo que se impõe concretamente a sua percepção; deslocando-se das ocupações ou solicitações do instante presente, sua atividade passa a comportar adiamentos e projetos. Mostra também que a linguagem oferece à representação mental o meio de evocar objetos ausentes e de confrontá-los entre si. Por fim, esses objetos e situações concretos passam a ter equivalentes em imagens e símbolos, podendo, assim, ser operados no plano mental de forma cada vez mais desvinculada da experiência pessoal e imediata.

Dito isso, chegamos agora ao seu ponto principal, que é a questão referente à análise das complexas relações de determinação recíproca que existe entre indivíduos e sociedade. Wallon via na educação o conflito entre o indivíduo e a sociedade. Ele discute a contradição entre indivíduo e sociedade existente na maior parte dos sistemas de ensino. Wallon apresenta em sua obra a idéia pedagógica da necessidade de superação da dicotomia entre indivíduo e sociedade subjacente à maior parte dos sistemas de ensino, que costumam oscilar contraditoriamente entre um e outro pólo da antinomia. Para o pensamento walloniano, a educação tradicional prioriza a ação dos adultos sobre a juventude e acena com a perpetuação da ordem social.

Dentro da perspectiva de que uma personalidade que se forma isolada da sociedade é inconcebível e que é na interação e no confronto com o outro que se forma o indivíduo, Wallon considera que a educação deve integrar à sua prática e aos seus objetivos, tanto a dimensão social como a individual, devendo, portanto, atender simultaneamente à formação do indivíduo e à da sociedade.

Discute também qual a importância de se refletir sobre as dimensões sociais da educação. Essa ação abre o caminho também para uma reflexão política sobre o papel da escola na sociedade, pois Wallon considera que a priorização da discussão metodológica em detrimento da reflexão sobre as dimensões sociais da educação foi outro fator responsável pelo individualismo.

Também propunha o atendimento simultâneo das aptidões individuais e das necessidades sociais, baseado na idéia de que o aproveitamento mais adequado das competências de cada um se dá em benefício do indivíduo e da sociedade, assim como a melhor distribuição das tarefas sociais serve ao interesse coletivo e à realização individual.

Por fim, temos que Wallon complementa seu projeto prevendo um procedimento de natureza financeira, que, além da gratuidade do ensino, incluíam a implantação de um regime de remuneração ao estudante, no sentido de assegurar a todos os indivíduos o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (06/03/2012)

Autor: ematosinho

Eduardo Matosinho é economista e sociólogo com bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem 59 anos e é casado com Luiza Maria da Silva Matosinho e com ela tem um filho de nome João Alexandre da Silva Matosinho. Trabalha atualmente na Galeria Pontes (https://www.galeriapontes.com.br/), onde já está há 17 anos.

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