Você também se foi
“desafiando o coro dos contentes
do seu tempo”
como eu dizia nos bons tempos de 68
Sousândrade no ouvido
(estrofe 61 do inferno de Wall Street)
mas logo agora
alguns dias depois que o
velho Pound se foi
deformado e difamado
pela cozinha litero-funerária dos jornais
por um erro
entre tantos acertos
neste deserto
com tantos lite-ratos dando sopa
se vendendo por um lugar ao sol
você deu as costas ao lugar e ao sol
proclamo mas reclamo
a morte nos fez mais uma falseta
mas não pensem que isto é um poema
só porque estou cortando as linhas
como faziam os poetas
isto é apenas uma conversa no deserto
parte da conversa que a gente
não teve em 4 anos
vou falando e parando onde devo parar
seria fácil glosar tuas próprias letras
cheias de tantas dicas de adeus
adeus vou pra não voltar
a vida é assim mesmo
eu fui-me embora
eu nunca mais vou voltar por aí
difícil é conversar agora
você sabe há tanto tempo a gente não se via
fui ouvir de novo as tuas coisas
“louvação” & “rua”
no primeiro Lp de Gil
“zabelê” & “minha senhora” (com Gil) &
“Nenhuma Dor”
(com Caetano) no primeiro LP de Caetano
e gal “domingou” & “marginalia II”
no primeiro disco tropicalista de Gil
& “mamãe coragem” com
Caetano (gal cantando)
Tão grandes quanto antes
& “a coisa mais linda que existe”
(com Gil) no LP de gal (1969)
& “ai de mim Copacabana” num
compacto com Caetano
meu estoque termina aí
(não tenho o “pra dizer adeus”)
e recomeçava agora com macalé
Let’s Play That
Uma obra – filho – é algumas primas
Você olha nos meus olhos e não vê nada
Não “não posso fazer troça
Na boca de uma lasca amarga”
Mas também não quero repetir a conversa de
Maiacóvski
Com Iesiênin (é muito arriscado)
Estou pensando
No mistério das letras de música
Tão frágeis
Quando escritas
Tão fortes quando cantadas
Por exemplo “nenhuma dor”
(é preciso reouvir) parece banal escrita
mas é visceral cantada
a palavra cantada
não é a palavra falada
nem a palavra escrita
a altura a intensidade a duração a posição
da palavra no espaço musical
a voz e o Mood mudam tudo
a palavra-canto
é outra coisa
nha mo da
mi na ra tem
se dos
gre
etc
&
minha amada idolatrada
salve salve o nosso amor
já antecipava os antihinos
salve o lindo pendão dos seus olhos
com você diria depois
mas você tem muito mais
um poeta só um poeta tem
linguagem pra dizer
eu quero eu posso eu quis eu fiz
feijão verdura ternura e paz
tropicália bananas ao vento
um poeta desfolha a bandeira
agora você se mandou mesmo
pra não mais voltar
(deixe que os idiotas pensem
que isto é poesia)
nem a são Paulo nem a esta
espaçonave louca chamada Terra
tenho saudade
como os cariocas
do tempo em que sentia
sim a euforia se foi a alegria
era a prova dos novembro mas fomos todos reprovados
VAI BICHO
Nós por aqui vamos indo
Naviloucos
Poucos
Ocos
Um beijo preso na garganta
No doce infelicídio da formicidade
DESAFINAR
Medula & osso
O CORO DOS CONTENTES
Com geléia até o pescoço
Augusto de Campos (São Paulo, 14 de fevereiro de 1931). In “Os últimos dias de paupéria” de Toquato Neto, publicado na introdução deste livro
Poema tirado do arquivo .pdf (torquato-neto-os-ultimos-dias-de-pauperia_compress) enviado por WhatsApp pela amiga Maria Isabel Pellegrini Vergueiro que me escreve assim: “Bom dia, querido!! Meu beijo de parabéns vai com atraso, mas com o mesmo carinho! Tudo de bom na sua jornada! E segue um presentinho pra você… Torquato Neto! Mil beijos ❤️.“