Eu voltava cansado como um rio.
No Sumaré altíssimo pulsava
a torre de tevê, tristonha, flava.
Não: voltava humilhado como um tio
bêbado chega à casa de um sobrinho.
Pela ravina, lento, lentamente,
feria-se o luar, num desalinho
de prata sobre a Gávea de meus dias.
Os cães quedaram quietos bruscamente.
Foi no tempo dos bondes: vi um deles
raiar pelo Bar Vinte, borboleta
flamante, touro rútilo, cometa
que se atrasa no cosmo e desespera:
negra, na jaula em fuga, uma pantera.
Passei a mão nos olhos: suntuosa,
negra, na jaula em fuga, ia uma rosa.
Paulo Mendes Campos (Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 1922 — Rio de Janeiro, 1 de julho de 1991), In “Testamento do Brasil”, 1966