Eu

Nas calçadas pisadas
de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneos de frases ásperas
Onde
forcas
esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoço de torres
oblíquas

soluçando eu avanço por vias que se encruz-
ilham
à vista
de cruci-
fixos
polícias

1913

Vladímir Maiakóvski (Baghdati, Império Russo, 19 de julho de 1893 — Moscou, Rússia, 14 de abril de 1930), in “Poemas de Maiakóvski”. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982, tradução de Haroldo de Campos

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drummond de Andrade (Itabira, Minas Gerais, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987)

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .

— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

Manuel Bandeira (Recife, 19 de abril de 1886 — Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968)

Por estes campos sem fim

Por estes campos sem fim,
onde a vista assim se estende,
que verei, triste de mim,
pois ver-vos se me defende?

Todos estes campos cheios
são de saudade e pesar,
que vem para me matar,
debaixo de céus alheios.
Em terra estranha e em ar,
mal sem meio e mal sem fim,
dor que ninguém não entende,
até quão longe se estende
o vosso poder em mim!

Sá de Miranda (Coimbra, Portugal, 28 de agosto de 1481 — Amares, Portugal, 15 de março de 1558), In “Antologia Poética”