Rosa confundido ao branco flores e flores reversas recolhem e derramam a flama velada atirando-a de volta à cornucopia da lâmpada
pétalas obscurecidas de través com malva
vermelho onde em volutas cada pétala põe seu fulgor sobre outra pétala à volta de gargantas flamiverdes
pétalas radiantes de luz transverberada pelejando no alto as folhas estirando o seu verde acanhado para fora da borda do vaso
e eis ali o vaso, de todo obscuro garrido em sua capa de musgo.
William Carlos Williams (Rutherford , Nova Jersey , Estados Unidos, 17 de setembro de 1883 — 4 de março de 1973). Tradução: José Paulo Paes (Taquaritinga, São Paulo, 1926 — São Paulo, 9 de outubro de 1998)
Uma educação pela pedra: por lições; Para aprender da pedra, frequentá-la; Captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas). A lição de moral, sua resistência fria Ao que flui e a fluir, a ser maleada; A de poética, sua carnadura concreta; A de economia, seu adensar-se compacta: Lições da pedra (de fora para dentro, Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão (de dentro para fora, e pré-didática). No Sertão a pedra não sabe lecionar, E se lecionasse, não ensinaria nada; Lá não se aprende a pedra: lá a pedra, Uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999)
Sol de montanha Sol esquivo de montanha Felicidade Teu nome é Maria Antonieta d’Alkmin
No fundo do poço No cimo do monte No poço sem fundo Na ponte quebrada No rego da fonte Na ponta da lança No monte profundo Nevada Entre os crimes contra mim Maria Antonieta d’Alkmin
Felicidade forjada nas trevas Entre os crimes contra mim Sol de montanha Maria Antonieta d’Alkmin
Não quero mais as moreninhas de Macedo Não quero mais as namoradas Do senhor poeta Alberto d’Oliveira Quero você Não quero mais Crucificadas em meus cabelos Quero você
Não quero mais A inglesa Elena Não quero mais A irmã da Nena Não quero mais A Bela Elena Anabela Ana Bolena Quero você
Toma conta do céu Toma conta da terra Toma conta do mar Toma conta de mim Maria Antonieta d’Alkmin
E se ele viver Defenderei E se ela vier Defenderei E se eles vierem Defenderei E se elas vierem todas Numa guirlanda de flechas Defenderei Defenderei Defenderei
Cais de minha vida Partida sete vezes Cais de minha vida quebrada
Nas prisões Suada nas ruas Modelada Na aurora indecisa dos hospitais
Bonançosa bonança
Oswald de Andrade (São Paulo, 11 de janeiro de 1890 — São Paulo, 22 de outubro de 1954)
Clarice pintava por necessidade. Para livrar-se da
tensão. Não gostava de mostrar suas obras, mas acabou exibindo-as. Envio
algumas frases dela sobre o ato de pintar e algumas pinturas feitas em 1975.
“Acho que o processo criador de um pintor e do
escritor são da mesma fonte. O texto deve se exprimir através de imagens e as
imagens são feitas de luz, cores, figuras, perspectivas, volumes,
sensações.”
“Quero pintar uma tela branca. Como se faz? É a
coisa mais difícil do mundo. A nudez. O número zero. Como atingi-los? Só
chegando, suponho, ao núcleo último da pessoa.
Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta. Eu
sei, sei que é penoso. Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena?
Se uma pessoa perguntar durante meia hora a
palavra ‘eu’, essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais
seguro não fazer jamais perguntas – porque nunca se atinge o âmago de uma
resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta.
O que é que eu sou?”
Em 28 de fevereiro de 1970, publicou uma
crônica-testamento, na qual legava a própria alma.
“Uma vez irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma desta vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos, com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria”…
A cena final é a do casamento campal de Gradisca com um militar. Nela os garotos encenam o casamento de forma bonachona. O cego fica numa cadeira tocando a bela música de Nino Rota. São feitos discursos na mesa, desejando felicidades ao casal e tirados retratos. Tentam tirar uma foto no sol, mas começa a chover. Recitam poemas. Com a chuva, o pessoal começa a ir embora aos poucos. Os noivos também saem, após Gradisca atirar o buquê. Permanece o cego tocando e um menino enchendo o seu saco. Os garotos dão adeus aos noivos, correndo atrás do carro. Uma menina pega o buquê. Começam a se dispersar. O filme acaba com o garoto perturbando o músico e os “flocos” caindo. De primavera para primavera, Fellini mostra a eterna idéia de recomeçar, seja no tempo ou na vida, com a parábola da menina apanhando o buquê de flores da noiva. Um dia ela casará e as cenas de “Amarcord”, quem sabe, recomeçarão novamente.