A importância da Escola Sociológica de Chicago e a obra de William Thomas

A consolidação da Escola Sociológica de Chicago, que foi por quase duas décadas a mais importante dos Estados Unidos em sua área e marcou a história da sociologia com um conjunto de contribuições originais e duradouras, tem na teoria social de William Thomas um marco. E isso está no fato dele ter sido um dos primeiros sociólogos americanos que conseguiu unir a teoria à pesquisa de campo, abrindo caminho para o avanço implementado depois pelo trabalho inovador de Robert Park e Ernest Burgess na década de 20.

Como vimos em artigo anterior ao “Vivendocidade” a Universidade de Chicago foi fundada em 1892, com o apoio dos Batistas e da filantropia capitalista e teve Albion Small, um fervoroso praticante deste grande grupo da religião evangélica, como o primeiro diretor de seu Departamento de Sociologia. Os sociólogos de Chicago tiveram a influência de duas forças: por um lado, os preceitos morais do modo de vida de um “bom americano” e, por outro, o poder do capital privado.

Pode-se distinguir três gerações de sociólogos em Chicago. A primeira, vinda desde a fundação dessa Universidade até o fim da Primeira Guerra Mundial, período durante o qual Albion Small manteve a direção do Departamento e do “American Journal of Sociology”. Nesta fase, Small compartilhou o trabalho, no Departamento junto a John Dewey, George Hebert Mead e Thorstein Veblen; todos eles de forte influência na intelectualidade acadêmica americana, mas nenhum era de fato sociólogo; o segundo período corresponde ao de duas grandes figuras da sociologia e particularmente da sociologia urbana, Robert Park e Ernest Burguess, prolongando-se até a década dos 30. Esses dois autores publicaram “Introduction to the Science of Sociology” (Introdução à Ciência da Sociologia), em 1921, contendo a proposta de trabalho que a Escola haveria de seguir durante os próximos anos. Park abandonou a Escola em 1933, data que marca o declínio desta segunda geração, ao mesmo tempo em que começam a surgir outros centros acadêmicos importantes na área da sociologia. O terceiro período corresponde à presidência de William Ogburn, estendendo-se entre 1936 e 1951. Além de introduzir os métodos estatísticos, Ogburn contribui para o estabelecimento da relação entre o Departamento de Sociologia e o governo federal. Seus colegas de trabalho foram na maioria formados pela segunda geração: Everett Hughes, Samuel Stouffer e Louis Wirth e, como estudantes encontram-se Franklin Frazier, Paul Cressey, Howard Becker, todos posteriormente figuras de importância na sociologia americana.

Temos ainda uma quarta geração que, na verdade, desdobra-se em duas: uma correspondente ao chamado interacionismo simbólico, tendo como principal expoente Hebert Blumer, que busca suas raízes nos trabalhos de Hebert Mead, William Thomas, Robert Park e Everett Hughes. Esta linha de trabalho afasta-se dos estudos sobre o urbano, procurando seu objeto de pesquisa na procura do “self”. A outra, associada à figura de Morris Janowitz, retoma, de alguma forma, o interesse teórico e metodológico pelas questões urbanas. Janowitz chefia o Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago entre os anos de 1967 e 1972.

Pode-se dizer que a partir dos anos 20 e início dos 30, se deu a origem ao desenvolvimento de um método de pesquisa na Escola de Chicago. A literatura mostra que nos primeiros tempos seus sociólogos estavam simplesmente inventando métodos de pesquisa, pois isso era uma coisa que não existia. Depois os pesquisadores criaram métodos para si próprios, coletando autobiografias de camponeses, analisando suas cartas ou fazendo entrevistas. Até esse momento, os estudos das relações entre indivíduos e seu meio ambiente permaneciam abstratos. É a partir da incorporação de novas fontes primárias de pesquisa – cartas pessoais, autobiografias, histórias de vida, monografias de bairros, etc. – que se inova no conhecimento direto da realidade humana e social.

Para ilustrar esse fato comentarei o livro clássico da sociologia americana “The Polish Peasant in Europe and America” (O Camponês Polonês na Europa e na América), escrito por William Isaac Thomas em parceria com o sociólogo polonês Florian Witold Znaniecki, publicado em 1918 e reeditado em 1927 e 1958.

Em “The Polish Peasant”, Thomas e Znaniecki procuraram dar uma explicação exaustiva das transformações dos estilos de vida, modos de ver o mundo, modos de percepção e orientações morais que se seguiram à transferência dos camponeses poloneses de suas aldeias nativas para a cidade moderna americana. Nesse trabalho eles empregam novos métodos de pesquisa, entre os quais a coleta de biografias e outros documentos pessoais.

“The Polish Peasant” caracteriza-se por ser um longo e detalhado estudo e que apresenta uma mistura de descrição, análise, especulação teórica e evidência empírica, sendo esta última coletada em jornais, agências de trabalho social, sociedades de migrantes e cartas pessoais.

A “Nota Metodológica” foi apresentada como um capítulo introdutório desta obra e foi dividida em cinco partes. Ela apresenta resumidamente três tipos de fenômenos: o de natureza individual e social, as relações causais e as leis da ciência social, como relações constantes, propiciando as explicações sociais. O fato social é explicado tanto do ponto de vista sociológico (social), como psicológico (individual).

Na parte I os autores definem evolução social como representando a crescente importância que uma técnica consciente e racional tende a assumir na vida social. Nessa parte os autores incorporam a visão de ciência que vem do Pragmatismo americano, onde o conhecimento faz parte da vida prática das pessoas.

Na parte II eles apresentam a idéia de que a teoria social é a análise da totalidade do devir social feitos em uma sistematização que nos permitam compreender as conexões entre esses processos. Mostram também que somente se a teoria social for bem sucedida em determinar leis causais ela poderá se tornar uma base da técnica social. Afirmam também que os resultados sociais da atividade individual dependem, não somente da própria ação, mas também das condições sociais em que é desempenhada; e, portanto a causa de uma mudança social deve incluir tanto elementos individuais como sociais. Destacam que o princípio metodológico fundamental é que a causa de um fenômeno social ou individual nunca é apenas outro fenômeno social ou individual, mas é sempre uma combinação dos dois.

Thomas e Znaniecki mostram na parte III que o resultado final da aplicação e do desenvolvimento sistemáticos das regras metodológicas tem como resultado final um sistema de leis do devir social, em que as definições desempenhariam o mesmo papel que desempenharam na ciência física, construindo instrumentos, ao auxiliar e analisar a realidade, e a encontrar leis, ao auxiliar a compreender o significado científico geral e a conexão das leis. Os autores destacam o problema das leis como sendo o mais importante problema da metodologia apresentam exemplos concretos para provar essa afirmação.

Na parte IV os autores estudados mostram qual será o efeito que ocorrerá caso a teoria social cumpra sua tarefa e avance na descoberta de novas leis que possam ser aplicadas para regular o devir social. Mostram quais são os obstáculos para o desenvolvimento de uma prática social e que a dificuldade mais importante que a prática social tem de superar antes de alcançar um nível de eficiência comparável àquela da prática industrial está na dificuldade de aplicar as generalizações científicas. Afirmam também que, enquanto as situações práticas são concretas, as leis da ciência são abstratas e que o técnico social deve ficar em permanente contato tanto com a vida social como com a teoria social.

Na parte V eles afirmam que seu objeto de estudo é uma classe de uma sociedade moderna e que a seleção da sociedade camponesa polonesa tornou-se ao longo de sua investigação uma seleção feliz. Esclarecem que usaram em sua análise o método indutivo e que a base do trabalho constitui-se de materiais concretos e que somente foi usada alguma discriminação na seleção desses materiais. Concluem assinalando que foram sugeridos por eles oito problemas a serem pesquisados em seu estudo.

Artigo publicado originalmente no site “Vivendocidade”, de Carlos Correa Filho (21/03/2012)

Autor: ematosinho

Eduardo Matosinho é economista e sociólogo com bacharelado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem 59 anos e é casado com Luiza Maria da Silva Matosinho e com ela tem um filho de nome João Alexandre da Silva Matosinho. Trabalha atualmente na Galeria Pontes (https://www.galeriapontes.com.br/), onde já está há 17 anos.

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